TERRONHA DE PINHOVELO
(Amendoeira, Macedo de Cavaleiros)
Arqueólogos responsáveis
Mestre Carlos Mendes
Dr- João Vicente Tereso
Drª Lúcia Miguel
Drª Helena Barranhão
Relatório dos Trabalhos Arqueológicos
1ª Campanha – 2005
1. Resumo
Apresentam-se os resultados, ainda que preliminares, da primeira campanha de escavações na Terronha de Pinhovelo, enquadrada no Projecto Terras Quentes. O sítio havia já sido intervencionado uma primeira vez no ano de 1997.
Foram abertos, no ano de 2004, três sectores de trabalho tendo-se detectado estruturas de habitação, estruturas negativas de combustão e o derrube de uma estrutura, ainda indeterminada, que deverá deter grandes dimensões.
Efectuaram-se igualmente trabalhos de desmatação e prospecção, pelo que se conclui que este povoado, que deverá ser um Castro, terá duas (possivelmente três) linhas de muralha a Norte e dois taludes a Este e a Sul.
A evidência artefactual parece apontar para dois momentos de ocupação romana (Baixo-Império) e pelo menos uma fase pré-romana.
2. Objectivos
A inserção da Terronha de Pinhovelo no projecto Terras Quentes teve como principal objectivo acrescentar alguns dados ao parco conhecimento da ocupação do Nordeste transmontano em época romana e pré-romana, em articulação com as restantes jazidas do concelho de Macedo de Cavaleiros incluídas neste projecto.
Tendo em consideração a dimensão e importância deste povoado, esperava-se com esta primeira campanha iniciar um projecto mais alargado de intervenções, em articulação com as informações da primeira intervenção de emergência efectuada no local, com o qual se pretende caracterizar as ocupações romanas e da Idade do Ferro desta jazida, bem como averiguar a potencial existência de momentos mais antigos de utilização deste espaço.
Ao mesmo tempo pretendia-se avaliar potencialidades no que respeita a futuras medidas de valorização.
Os trabalhos arqueológicos na Terronha de Pinhovelo decorreram entre 28 de Junho e 30 de Julho de 2004.
A direcção dos referidos trabalhos esteve a cargo dos arqueólogos Carlos Mendes, Lúcia Miguel, Helena Barranhão e João Tereso.
Contou-se com a colaboração de estudantes do curso de Arqueologia e História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, estudantes da Universidad de Valladolid, estudantes do Curso de Conservação e Restauro do Instituto Politécnico de Tomar, membros da Associação Terras Quentes e estudantes do ensino complementar e secundário originários do Concelho de Macedo de Cavaleiros, num programa promovido em conjunto entre a associação Terras Quentes e a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. Acrescente-se igualmente a presença de mão-de-obra não especializada angariada na Freguesia da Amendoeira.
4- Metodologia
Os trabalhos arqueológicos efectuados seguiram os pressupostos metodológicos definidos por Harris (1991). Desta forma, a Unidade Estratigráfica (UE) é a unidade básica de registo traduzida em depósitos, valas, estruturas e interfaces. Estas foram removidas, em cada sector, pela ordem inversa à da sua deposição. Como tal, foi delimitada a totalidade dos interfaces identificados.
O registo das Unidades Estratigráficas incluiu a descrição das suas principais características (vide critérios em Anexo) e inter-relações físicas bem como a representação gráfica e fotográfica dos seus interfaces em planos individuais ou de conjunto. O registo fotográfico incidiu também sobre diversos aspectos e fases de escavação.
A análise estratigráfica conduziu à elaboração de um esquema da sua sequência, a matriz de Harris.
Foi atribuída a cada sondagem uma sequência de unidades estratigráficas própria.
A estratégia adoptada nesta primeira fase de trabalhos passou pela definição de distintas áreas de intervenção com distintos objectivos. Foram, deste modo, definidos três sectores (A, B e C), e abertas também duas sondagens. O sistema de quadriculagem, está orientado a Norte (Y) e a Este (X).
O Sector A corresponde a uma área de 27 m². Inicialmente mais reduzida foi alargada em 3m² no canto noroeste de modo a facilitar a compreensão da estrutura de lareira identificada. Porém, o principal objectivo quanto a este sector era o de compreender a zona de transição entre a plataforma principal da jazida e a encosta a Sul (já intervencionada a Este nas intervenções de emergência).
O Sector B, inicialmente com 16 m², foi alargado em mais 16 m² de forma a compreender a realidade estrutural identificada. Pretendendo-se, com este sector, perceber a área superior da plataforma principal.
Já o Sector C corresponde a uma área de 12m². A sua localização prendeu-se com a intenção de averiguar a natureza de uma concentração pétrea com elementos de grandes dimensões, detectada juntamente com abundantes telhas vitrificadas. Julgava-se estarmos perante um forno.
No que respeita às sondagens 1 e 2, estas localizaram-se junto ao acesso Norte da jazida, no sopé de uma outra elevação, mais alta que a Terronha de Pinhovelo. Intentou-se perceber eventuais limites do povoado e, ao mesmo tempo, averiguar a disponibilidade da área para uma futura utilização como zona de parqueamento. Foram implantadas com 2m X 2m, tendo a Sondagem. 1 sido alargada em mais 3 m² no canto Nordeste de modo a perceber um contexto detectado nesse local.
5. ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO E GEOLÓGICO
O sítio da Terronha do Pinhovelo está localizado no concelho de Macedo de Cavaleiros, Freguesia da Amendoeira, ocupando um grande planalto com cerca de 693 metros de cota máxima, com as seguintes coordenadas geográficas:
Latitude: 41º32º31
Longitude: 02º08º33
Figura 1 – Localização nas C.M. nº 77 e 78, escala 1:25000
A lógica da implantação deste povoado, tanto em época romana como em período pré-romano, deverá ter obedecido em primeiro lugar a critérios de estratégia e defesa do território, uma vez que este local proporciona excelentes condições de defesa e visibilidade, sobretudo sobre a Serra de Bornes, que tem sido designada frequentemente como um dos limites geográficos do território dos Zoelae, ocupando assim uma posição de destaque no controlo visual da fronteira sul deste populi.
Este povoado tem ainda como limite visual um outro povoado com ocupação da Idade do Ferro, actualmente também a ser alvo de uma intervenção integrada no mesmo projecto de investigação, a Fraga dos Corvos.
Figura 2 – O sítio da Terronha do Pinhovelo visto da Fraga dos Corvos
Figura 3 – Terronha do Pinhovelo vista de Nordeste, com visibilidade sobre a Serra de Bornes
Apresentando declives menos acentuados a Norte e a Este, deficiência colmatada pela construção de pelo menos duas linhas de muralha a Norte (sendo possível a existência de uma terceira), tal como se pode verificar na fotografia aérea realizada no ano de 1965, e de um talude a Sul do povoado, identificado no decorrer desta intervenção, a entrada neste sítio pelo lado Oeste torna-se impraticável devido à existência de escarpas profundas que funcionam como barreiras defensivas naturais.
Não foi possível definir ainda os limites Oeste e Sul do povoado, uma vez que não foram detectados quaisquer vestígios de estruturas amuralhadas nestas zonas. É provável que a terem existido, estas tenham sido cortadas pela construção do IP4 no ano de 1997, uma vez que a análise da topografia indica que este eixo rodoviário está situado no início do declive do planalto, onde normalmente estariam situadas as estruturas defensivas.
Figura 4 – O local visto de Norte
Figura 5 – Vista Oeste do local
Figura 6 – Fotografia aérea sobre o local, Fiada 85, Rolo 81/1965, Instituto Geográfico Português, ESC. 1:15000
Em relação à geologia do local, este encontra-se numa área de xistos, matéria-prima utilizada na construção das estruturas, sendo no entanto visíveis à superfície alguns filões de quartzo.
Durante a campanha de escavações efectuadas sob a direcção do Dr. Pedro Sobral (ARQUEOHOJE, Lda.), no âmbito da minimização de impacte sobre o sítio pela abertura do IP2 – EN 216 – Vale Pradinho / Vale Benfeito, foram identificadas na base norte e nascentes do assentamento algumas linhas de água com pouco caudal (Carvalho; Francisco; Gomes e Botelho, 1997, pp. 128), o que ainda não pôde ser confirmado durante os trabalhos de desmatação e limpeza do sítio.
6- Enquadramento histórico e arqueológico
Já em período de domínio romano e com a reorganização do território peninsular, o sítio arqueológico da Terronha do Pinhovelo, encontra-se no limite meridional do território pertencente ao povo pré-romano designado de Zoelae. Apesar da ambiguidade das fontes Clássicas relativo à localização geográfica deste povo, hoje conhece-se o seu posicionamento no Nordeste Transmontano e Ocidente de Zamora, a partir de fontes epigráficas como é o caso do Pacto de Hospitalidade de Astorga, celebrado em 27 d.C. (CIL II, 2633) bem como três outras inscrições que referem os Zoelae, oriundas de Astorga, Léon e El Cueto, é possível posicionar este povo junto dos Ástures (Redentor, 2002, p. 28).
Jorge Alarcão (1988, p.57) localiza a civitas Zoelarum no extremo nordeste do actual território português, com centro político-administrativo em Torre Velha de Castro de Avelãs (Bragança), local onde foi recolhida uma inscrição dedicada ao deus Aernus, considerado o deus protector dos Zoelae, pelo Ordo Zoelarum.
É de referir que são ainda conhecidas outras duas manifestações a Aernus, uma de Castro de Avelãs e outra de Malta, Macedo de Cavaleiros, com uma localização setentrional, o que segundo o autor, marca o limite do território de influência deste povo na serra de Bornes. Integrado no conventus Asturum, aquando a repartição em conventus, o território ou área de influência dos Zoelae não gera concordância entre os estudiosos.
Jorge Alarcão (1988, p.57) propõe que o limite territorial dos Zoelae localizar-se-ía nos contrafortes da Serra de Bornes e Mogadouro, seguindo o Douro Internacional, criando assim um limite oriental. Por outro lado o rio Tuela constituiria o limite ocidental. Como fronteira setentrional a ciuitas Zoelarum teria a Serra de Montezinho.
A partir da revisão das propostas anteriormente feitas, F. Sande Lemos (1993a, p. 482-485) propõe limites mais espaçados para a civitas Zoelarum, limitada a Norte pela Serra da Segundera e de La Culebra, a Oriente com o rio Esla e Douro, a Sul a Serra de Bornes e da Navalheira e a Ocidente a Serra da Nogueira e rio Rabaçal.
Saliente-se que em fase Pré Romana, o território de Trás-os-Montes caracterizava-se por uma ocupação de populações que tinham como base de subsistência uma economia agro-pastoril, integrada em redes de povoados fortificados, por motivações estratégico-defensivas, bem como contextos geomorfológicos, jogando cada um com um conjunto de recursos diferenciados que permitia a sua sobrevivência (Lemos, 1993, Ia p. 226-249).
Francisco Sande Lemos (1993, p.300) ensaia uma tipologia onde identifica 150 povoados pertencentes aos Zoelae, dividindo-os em 6 tipos, variando no espaço de implantação, em cumes dominantes, de ampla visibilidade, ou de média altitude, com sistemas defensivos distintos, que se regem consoante o contexto geográfico em que se inserem. Segundo o autor, estes pequenos povoados fortificados encontram-se em áreas de maior densidade populacional, albergando cada um deles um extensa família, e por sua vez, unida por laços sanguíneos com as restantes existentes.
Desta forma, Sande Lemos conclui que as áreas vazias de povoamento seriam áreas de exploração de recursos desses mesmos grupos e motivo de conflito, justificando a existência de estruturas defensivas nos povoados (Redentor, 2002, p. 27-28).
As fortificações variam substancialmente. Existem povoados que dispõem de uma única linha de muralha, enquanto outros possuem um circuito que integra um torreão ou ainda, na parte exterior à muralha, fossos. A obtenção de matéria-prima para a construção das estruturas defensivas era muitas vezes adquirida localmente, nas proximidades do povoado ou mesmo no local de implantação já que, em povoados onde se observa a existência de fossos, o reaproveitamento do seu enchimento era canalizado para a construção do recinto amuralhado e mesmo para a arquitectura doméstica. É de notar que a presença ou ausência de estruturas defensivas obedece apenas a necessidades de defesa (Redentor, 2002, p. 26).
No que diz respeito à arquitectura doméstica, bem como à organização interna destes mesmos povoados, a informação é escassa. Escassas são também as investigações arqueológicas na região em causa. Conhecem-se apenas alguns casos como a escavação arqueológica do povoado da Cigaronha, Moimenta (Vinhais) por J.V. Martins (1995) ou do povoado de As Muradellas, Zamora por A.Esparza Arroyo (1986), contudo, a ausência de indicadores não permite um faseamento ou periodização da Idade do Ferro no Nordeste de Portugal (Lemos, 1993a, p.192-224).
Quanto à cultura económica dos Zoelae, a recolecção de frutos assumia uma grande importância na subsistência destes povos. A economia dos Zoelae é ainda referida pelos autores clássicos. Estrabão (III 3.7) refere que “ (…) os habitantes das montanhas vivem dois terços do ano de bolotas, que secam e trituram e depois moem para fazer pão, que conservam durante muito tempo (…)”. Armando Coelho da Silva (1986, p.111, 112) comprova a veracidade das afirmações a apartir da recolha de inúmeros achados faunísticos carbonizados de Quercus, acompanhados de elementos para a preparação de alimentos em Castros como o Coto da Pena.
Estrabão (III, 3.6) refere ainda a cultura do linho, cuja produção se destinaria à confecção de vestuário já que grande parte dos guerreiros usava saiotes de linho. Outro autor clássico como C. Plinius, em Naturalis Historia (XIX, 10) refere a exportação para a península Itálica deste mesmo produto, destinado para o fabrico de redes de caça, juntamente com outros produtos como o garum, metais e lã da Salácia.
7- Historial de investigação
Após o conhecimento do projecto da execução do Itinerário Principal 2, Estrada Nacional 102-Vale Benfeito, referente à passagem da via no patamar inferior no local da Terronha do Pinhovelo, sítio arqueológico já conhecido no Concelho de Macedo de Cavaleiros, a intervenção arqueológica tornou-se imperativa, justificando-se pela obtenção do máximo de informação possível acerca do povoado existente e minimização de impacte devido à abertura da rodovia.
Desta forma, a partir do procedimento de processo de concurso feito pela J.A.E., a intervenção foi adjudicada à empresa ARQUEHOJE, Ldª, tendo decorrido os trabalhos de 17 de Março a 05 de Maio de 1997, sob direcção técnico/científica de Pedro Sobral de Carvalho e co-responsabilidade de Luis F. Gomes e José Francisco (Carvalho, 1997, p. 125-126).
Os trabalhos arqueológicos permitiram a detecção de dois momentos de ocupação, sendo uma, um assentamento romano e outra de cronologia anterior, atribuível à Idade do Ferro ou mesmo Bronze (Carvalho, 1997, p. 130).
A área intervencionada restringiu-se à encosta do morro da Terronha, não atingindo o que o Pedro Carvalho (1997, p.130) considerou o núcleo do Povoado, já que os materiais se dispersam em 2,5 Ha. Saliente-se ainda a presença de uma necrópole de cronologia romana a SO, nas proximidades de Pinhovelo.
O povoado da Terronha do Pinhovelo revelou-se um povoado de cariz doméstico, detentor de estruturas defensivas que circundariam provavelmente todo o povoado, bem como de algumas estruturas de carácter doméstico, de planta rectangular e estruturas de escoamento de águas (Carvalho, 1997, p. 132-133).
A recolha de inúmeros elementos de mó, pesos de tear, de outros elementos de preparação de alimentos, bem como fauna mamalógica, permite interpretar este sítio arqueológico como um povoado cuja economia se basearia não só na pastorícia mas também na agricultura e pecuária (Carvalho, 1997, p.132). O autor refere ainda que a exploração mineira seria “ (…) um dos alicerces económicos do assentamento;”, a partir dos vestígios de mineração observados perto do povoado, contudo não refere especificamente quais (Carvalho, 1997, p.145).
A cultura material exumada nestes compartimentos é enquadrável no período romano, sendo maioritariamente constituída por cerâmica, sejam fragmentos de cerâmica comum, fragmento de ânfora, ou TSH (?). Recolheram-se também moedas. Este material, apesar de oriundo de escorrimentos da plataforma superior, compreende-se num período entre os séc. I-IV/V. Pedro Carvalho (1997, p. 147) avança ainda com a hipótese de que o povoado da Terronha, à luz dos testemunhos arqueológicos postos a descoberto nesta intervenção arqueológica terá tido “(…)funções de lugar central ou com alguma importância politico-administrativa(…)”. É de notar que o povoado terá tido uma continuidade de ocupação desde o séc. I a.C. ao V d.C., sendo assim, um castro da Idade do Ferro romanizado.
No que diz respeito ao assentamento pré-romano, terá sido identificado estratigraficamente, imediatamente sob o afloramento rochoso, numa depressão escavada, com uma cultura material distinta, composta por cerâmicas manuais, de pastas grosseiras, coloração cinzenta, com alguns fragmentos polidos, sem decoração bem como fragmentos de artefactos de bronze de tipologia não identificada (Carvalho, 1997, p.130). Foram ainda recolhidos três vasos em bom estado de conservação, de filiação castreja em dois compartimentos (localizados nos sectores A17/A14 e D14), que integravam os níveis de destruição dos mesmos (Carvalho, 1997, p.133).
8- Trabalhos realizados
8.1 – Sector A
A existência de um desnível na zona Sudoeste do povoado, perto das escarpas que favorecem a defesa do local pelo lado Oeste, fez supor a existência de uma estrutura de funcionalidade defensiva, ainda que possivelmente muito danificada pelos trabalhos agrícolas anteriores à intervenção no lugar.
Desta forma, foi marcada inicialmente uma área de 6×4 m2. Durante o processo de escavação as realidades identificadas revelaram a necessidade de um alargamento, pelo que posteriormente se alargou o sector no seu canto Noroeste, perfazendo assim um total de 27 m2.
Figura 7 – Área, métrica, do Sector A
8.1.1. Faseamento da ocupação: dinâmicas de utilização do espaço
A escavação efectuada permitiu a identificação de 6 fases de ocupação/utilização do espaço até ao momento, que se desenvolvem em dois períodos cronologicamente distintos: uma primeira ocupação pré-romana, cronologicamente situada na Idade do Ferro, na qual se assiste à construção de um talude de funcionalidade defensiva. Esta fase é caracterizada por cerâmicas manuais e a torno lento, de pastas grosseiras, com tratamentos da superfície cuidados mas quase sem apresentarem elementos decorativos.
Foi também identificada uma ocupação romana, durante a qual se assiste ao nivelamento do desnível provocado no terreno pelo talude pré-romano, a partir do seu entulhamento sistemático, acção à qual à qual surgem ainda associadas duas estruturas de combustão.
Figura 8 – Matriz de Harris do Sector A
8.1.1.1. Fase 1
O momento mais antigo identificado nesta campanha está relacionado com a construção de um talude, em época pré-romana, associado a um alinhamento pétreo que parece corresponder a um muro de função ainda desconhecida. A sua cronologia exacta não pode ainda ser determinada uma vez que ainda não se procedeu à remoção do seu derrube [17].
O talude (UE [21]) apresenta uma estrutura irregular e é composto por blocos de xisto com cerca de 25 cm de largura e 50 cm de comprimento, dispostos horizontalmente. Não apresenta vestígios de ter sido utilizado algum tipo de elemento ligante.
Esta estrutura apresenta-se pouco conservada, muito provavelmente devido à existência de trabalhos agrícolas prévios à intervenção, e em algumas zonas a sua distinção em relação ao seu derrube torna-se particularmente delicada.
O alinhamento [11] apresenta a mesma técnica construtiva do talude, apresentando apenas uma fiada de blocos de xisto muito irregulares, exibindo as mesmas dimensões dos blocos de pedras do talude.
Ainda não é possível definir a relação entre estas duas estruturas, pelo que é possível que este alinhamento possa ainda fazer b parte da estrutura do Talude.
Figura 9– Alinhamento Pétreo [11]
É ainda importante salientar o aproveitamento das faces mais planas dos blocos na regularização do paramento externo.
Figura 10– [11]; Alçado Sul
Figura 11– Talude [25] e respectivo derrube [17]
Figura 12– UE [25]
8.1.1.2 – Fase 2
Corresponde ao momento de destruição do talude, representada pelo derrube do mesmo [17].
Não foi ainda possível esclarecer a natureza deste derrube uma vez que ainda não foi removido. No entanto, dado que o depósito imediatamente acima deste revelou a existência de uma ocupação pré-romana, é já possível confirmar que o derrube do talude se verificou antes da ocupação romana do local, num momento em que esta estrutura já não estaria a desempenhar a sua função.
A própria ocupação pré-romana existente acima do derrube do talude poderá indicar a existência de duas situações, ainda por confirmar após a remoção da UE: ou a construção do talude se verificou num momento mais recuado da ocupação do sítio, não registado no decorrer desta campanha, mas atestado no local pelas escavações efectuadas no ano de 1997 (Carvalho; Francisco; Gomes e Botelho, 1997, pp. 146), cronologicamente situado no Bronze Final, ou o derrube se deu repentinamente e não houve necessidade durante a ocupação da Idade do Ferro de o reconstruir, por razões por ora desconhecidas.
Somente a evolução da investigação no local permitirá resolver estas questões.
8.1.1.3 – Fase 3
A fase 3 corresponde à ocupação pré-romana do local, cronologicamente enquadrada na Idade do Ferro (séculos VII- VI a I a.C., segundo os dados analisados por F.S. LEMOS, 1993).
Apenas foram escavadas as unidades [14] e [23], pelo que ainda não é possível fazer uma caracterização geral desta fase de ocupação.
Estes depósitos revelaram a presença de cerâmica manual e a torno lento, com superfícies cuidadas e pastas maioritariamente grosseiras, apresentando uma forte componente de elementos não plásticos. As pastas manifestam ainda cozeduras de tipo redutora e redutora parcial.
Figura 13 – Cerâmica Fase 3, U.E. [14]
Em relação ao reportório formal, este não apresenta uma grande variabilidade: a maior parte das peças que oferecem reconstituição revelam recipientes abertos de armazenagem de média dimensão, com bordos maioritariamente em aba soerguida.
Estão também presentes os potes de perfil em S, cuja morfologia aponta para uma utilização funcional muito precisa tal como o consumo de alimentos para os exemplares de maiores dimensões ou o consumo de líquidos para os exemplares mais pequenos.
A definição cronológica precisa deste conjunto de artefactos, tal como a sua integração cultural revela-se ainda ambígua. É relevante assinalar a ausência total, até ao momento, de cerâmica estampilhada, apesar de esta ter já sido registada na intervenção de 1997.
O único fragmento que se apresenta decorado manifesta paralelos com a cultura de Cogotas.
Figura 14 – Fragmento cerâmico com decoração incisa, [14]
Resta ainda acrescentar que os depósitos escavados apresentam muitas inclusões de carvão, assim como uma total ausência de fauna mamalógica, contrastando neste aspecto com os níveis de ocupação romana.
Figura 15 – U.E. [14], Pormenor
8.1.1.4 – Fase 4
Nesta fase está representada a ocupação romana do local. Esta consiste, neste sector, numa regularização do desnível do terreno provocado sucessivo entulhamento da zona do talude construído em época pré-romana.
Os depósitos resultantes deste entulhamento ([7], [15]) revelam uma diminuição significativa de cerâmica de cronologia romana em relação aos depósitos que se encontram imediatamente acima, sendo maioritária a presença de cerâmica comum de tradição indígena de fabrico manual.
Estes depósitos apresentam ainda muitas inclusões de calhaus de xisto de pequena e média dimensão.
É também importante destacar a existência nesta fase de uma vala de média dimensão, cuja funcionalidade não nos foi possível perceber, que aparenta cortar o derrube do talude, assim como os depósitos da 3ª fase de ocupação, cheia por um depósito quase estéril, de composição muito arenosa e de coloração esbranquiçada [16].
Apesar de ainda não ter sido realizada nenhuma análise ao sedimento recolhido, é provável que este possa ter na sua composição uma elevada percentagem de talco, cujos afloramentos, associados a peridotitos e serpentinitos, são conhecidos na zona de Macedo de Cavaleiros (Lemos, 1993, pp. 93). Segundo o mesmo autor, estes terão sido explorados em período romano, tanto para a produção de estelas funerárias, como de pequenas esculturas, desconhecendo-se por ora qual a razão pela qual esta matéria foi utilizada para o enchimento de uma vala.
Figura 16– [4]
Figura 17– [4], Pormenor
Em associação com este momento de nivelamento, foi registada na mesma fase, no interior do espaço delimitado pelo talude, uma estrutura de combustão ([4]) efectuada no interior de uma pequena vala ([10]) de declives pouco acentuados.
Não estando por enquanto associada a nenhuma estrutura de habitação, esta foi interpretada como um sistema de eliminação de lixos domésticos, uma vez que continha no seu interior, além de carvão, vários fragmentos de cerâmica manual e a torno e uma grande quantidade de fauna mamalógica.
A cerâmica recolhida no interior desta estrutura de combustão pertence maioritariamente a potes de média dimensão, com bordos em aba soerguida e acabamentos cuidados das superfícies exteriores. Alguns fragmentos apresentam ainda caneluras incisas e excisas como motivo decorativo.
Figura 18– [4], Pormenor
Figura 19– Cerâmica, [4]
A esta fase estão ainda associados os depósitos [8] e [6], que por se encontrarem imediatamente acima da estrutura de combustão, e por ostentarem praticamente os mesmos limites físicos que a mesma, foram interpretados como a acumulação de detritos resultantes da acção de extinção intencional do lume desta. Os materiais arqueológicos exumados nestes depósitos apresentam as mesmas características dos que foram identificados na estrutura de combustão.
Não associado a esta estrutura de combustão, mas cortado pela vala da mesma, foi registado um pequeno derrube de calhaus de xisto, de médias e pequenas dimensões [18].
Figura 20– [18]
Não foi no entanto possível estabelecer, durante o decorrer desta campanha, a origem deste derrube, uma vez que este se encontrava na extremidade Oeste do sector, pelo que se espera que a sua procedência seja determinada com a realização de alargamentos no sector.
Acrescente-se ainda que fazia parte deste derrube um fragmento de mó em granito.
Figura 21– [18], Frag. de mó
Por fim, foram ainda considerados nesta fase os depósitos [9] e [20], que só serão removidos na próxima campanha.
8.1.1.5 – Fase 5
Esta é ainda uma fase mal caracterizada, uma vez que dela só foi possível escavar uma segunda estrutura de combustão, com a mesma funcionalidade da estrutura da fase 4, e situada exactamente no mesmo local [2], e um depósito que se estendia por toda a sondagem.
Esta estrutura terá sido também realizada no interior de uma pequena vala [5], cortando desta forma a UE [3], e tal como a sua precedente, apresenta também muitas inclusões de carvão, assim como vários fragmentos de cerâmica e fauna mamalógica.
A cerâmica exumada do interior desta estrutura de combustão consiste maioritariamente em potes em cerâmica comum de pequena e média dimensão realizados a torno. Os acabamentos são cuidados, com superfícies brunidas ou alisadas na superfície exterior.
Como motivo decorativo, são frequentes as caneluras incisas na parte superior da pança.
Figura 22– [2], Pormenor
Figura 23– [2], Pormenor
A UE [3] revelou a presença de material de cronologia romana, tal como terra sigillata hispânica tardia, alguns metais e uma forte presença de cerâmica comum, de fabrico predominantemente a torno, mas com gramáticas decorativas de tradição indígena, realizadas por incisão ou brunidas. Esta é aliás uma constante em toda a cultura material recolhida nas fases de ocupação romana, revelando uma sobrevivência nas só das formas, que passam a ser realizadas a torno, mas também dos motivos decorativos.
Figura 24– Cerâmica decorada, [3]
8.1.1.6 – Fase 6
Esta fase corresponde à utilização do local para trabalhos agrícolas, os quais são ainda visíveis pelas marcas de arado perceptíveis à superfície. A u.e. [1], depósito superficial, muito remexido, com uma grande heterogeneidade de materiais, será assim o resultado do revolvimento dos depósitos provocados por estes trabalhos.
Figura 25 – Marcas de arado, UE [1]
As marcas de arado são ainda perceptíveis no topo da u.es. [2] e [3], revelando assim o elevado grau de impacte provocado pelos trabalhos agrícolas no local.
Em relação aos materiais exumados nesta fase, apesar de se encontrarem revolvidos pelos trabalhos agrícolas, estes revelam o forte grau de romanização do povoado.
Desta forma, foram recolhidos numerosos fragmentos de sigillata hispânica tardia, datável dos séculos III / IV d.C., apesar de muito fragmentados e em mau estado de conservação. Apenas foi possível reconstituir a forma a um dos fragmentos que revelou um de fundo de pé de perfil triangular de um prato da forma Drag. XV/XVII (Mayet, 1984).
Figura 26– TSH, [1]
Foram ainda encontrados vários elementos metálicos, entre os quais uma possível ponta de lança.
Figura 27– Elementos metálicos, [1]
Foram também recolhidas algumas moedas, mas apenas uma permitiu realizar uma leitura. Esta terá sido cunhada no período de Trajano (séc. II d.C.) e apresenta no reverso a figura de Ceres a deusa da fertilidade.
Foi ainda registado um pequeno alinhamento pétreo no canto SE do sector [26], associado a um depósito de tonalidade castanha escura [25], que não foi incluído na matriz uma vez que se desconhecem as suas relações estratigráficas com os restantes depósitos, nomeadamente com o derrube do talude, o que dificulta a sua integração no faseamento da ocupação neste sector.
Em igual circunstância encontra-se a UE [27], depósito constituído por cascalho, de cor esbranquiçada, que aparenta ser o substrato geológico em decomposição.
Espera-se que estas lacunas sejam preenchidas com a continuação dos trabalhos no local.
Figura 28– [25]; [26]
8.2 – Sector B
Como foi já referido, este sector foi inicialmente aberto com somente 16 m². Sabia-se de antemão, dada a abundância de elementos pétreos à superfície, alguns afeiçoados para construção, que havia grandes possibilidades de existir vestígios de construções, embora muito destruídas, no local.
A opção de alargamento ocorreu perante as evidências estruturais detectadas após a remoção dos depósitos [1] e [2]. Estavam já parcialmente visíveis o possível banco [18], as paredes [16] e [12], bem como o derrube [5] que julgávamos apresentar uma tendência para se alongar para as zonas depois incluídas na área de escavação.
Foram removidos alguns derrubes, revelando dois possíveis níveis de ocupação, um na zona a Norte, correspondendo a uma provável área exterior, e outro a Sul, o piso interior de um compartimento com lareira. No centro do sector foi escavado um nível de derrube abaixo do qual registaram-se porções de um bovídeo em posição anatómica, mas ainda acima de um provável segundo nível de derrube pétreo.
Após a remoção dos referidos restos faunísticos os trabalhos arqueológicos desta primeira campanha foram dados como terminados.
8.2.1 – Estratigrafia e estruturas
Para além das questões interpretativas das estruturas e outros contextos, as dúvidas de índole estratigráfico, só passíveis de serem solucionadas com a continuação dos trabalhos, impedem que se atinjam conclusões seguras quanto ao Sector B.
Figura 29 – Área antes dos trabalhos
Figura 30 – Derrube [5]
Foram distinguidas, com relativa certeza, duas fases de afectação do espaço por comunidades humanas. A mais recente diz respeito aos trabalhos agrícolas que ocorreram na elevação e traduz-se nos níveis superficiais. A fase mais antiga diz respeito à construção de oito paredes de xisto e ao afeiçoamento, isto é, corte, da rocha base, também utilizada como alicerce. As ditas construções formarão um mínimo de dois compartimentos e uma possível zona exterior.
Figura 31 – Remoção do derrube
Figura 32 – Pote em conexão no derrube
O compartimento 1, na área central do sector, encontra-se delimitado pelo menos por três paredes, a Norte, Este e Sul, restando dúvidas acerca de alguns elementos pétreos a Oeste que poderão, apesar de se verificar pouco provável, ser o que resta de uma quarta parede. A Norte surgem, aparentemente, duas paredes adossadas, podendo a que está mais a Sul corresponder a um banco interior. Trata-se, contudo, de uma mera possibilidade dado não se encontrar totalmente definido. De natureza indeterminada é também o nível a que se deixou, no término desta campanha, o interior deste compartimento. Foi inicialmente interpretado como piso devido à posição de algumas lajes pétreas (vários elementos pétreos surgiram deitados, apesar de formar um conjunto muito irregular), bem como ao facto de aí ter-se encontrado algumas porções das ossadas de um bovídeo, em posição anatómica. Porém, parece-nos possível que seja um nível de derrube mais antigo, acima do qual, a um dado momento, morreu um bovídeo. Posteriormente, ou no momento em que o animal estava no local, terá caído o que restava das paredes.
Figura 33 – Plano final do Sector B
A parede Sul do compartimento 1 é a parede Norte do 2º compartimento. Este encontra-se elevado, em comparação com o compartimento que o ladeia. Estando actualmente pouco definido, está já parcialmente delimitado não só a Norte mas também a Este. Junto ao corte Sul, ou seja, a menos de um metro da parede Norte, foi detectada e parcialmente delimitada uma base de lareira. Esta é constituída por elementos pétreos de xisto e quartzo com notórios vestígios de fogo, nomeadamente manchas avermelhadas/rosadas, definindo uma superfície aproximadamente horizontal. Os trabalhos foram, então, terminados ao nível do piso de ocupação, que seria, desta forma, de terra, com uma inclinação descendente para Oeste.
A Norte do compartimento 1 encontra-se um Ambiente mal definido devido à exiguidade do espaço, limitado pelos limites de escavação. No canto NW do sector foi detectado um outro muro. Estando tão próximo da parede Norte do compartimento 1, deduzimos, ainda com muitas dúvidas, que se trata de parede Sul de um outro compartimento, sendo o espaço escavado uma zona exterior, uma rua. Aí foi definido o depósito [26], possível nível de ocupação (hipótese por comprovar nas próximas intervenções).
A sequência estratigráfica é, assim, passível de ser representada na matriz de Harris da figura 35. Desta forma, acima dos derrubes e das paredes foram registados alguns depósitos, ainda afectados pelos trabalhos agrícolas. Removidos os derrubes surgiram dois (um é ainda uma hipótese) níveis de ocupação associados a dois compartimentos distintos, alguns depósitos cuja natureza está ainda por averiguar, e um outro provável derrube na zona central.
Restam ainda muitas dúvidas acerca da interpretação a dar às evidências de utilização do espaço por nós denominado de Sector B, de qualquer modo tal deve-se em parte à exiguidade da área intervencionada (que não inclui qualquer compartimento totalmente definido) bem como ao pouco desenvolvimento vertical dos trabalhos.
O estudo de materiais encontra-se ainda numa fase inicial. Saliente-se a presença de uma fíbula de bronze, diversas moedas que não forneceram leitura (aguarda-se a entrega para restauro) e abundantes fragmentos de terra sigillata hispânica tardia.
Figura 34 – Consolidação e remoção de ossos de bovino no derrube
Figura 35 – Matriz de Harris do Sector B
8.3 – Sector C
Após a limpeza da área (fig. 36 e 37), observou-se a presença de abundantes blocos pétreos de Xisto e Quartzo, de média e grande dimensão, com morfologia variável, muito soltos e em nada homogéneos, na zona Este do Sector C, à qual foi dada a UE [0] (fig. 38 e 39).
Figura 36 Sector C antes da abertura
Figura 37 – Sector C antes da abertura
Figura 38 – UE[0]. Orientação E-O
Figura 39 – UE [0] orientação S-N
Figura 40 – UE [1] orientação N-S.
Em detrimento, a zona Oeste, compunha-se por um sedimento de cascalho, pouco compacto, de cor castanha clara (Munsell, 10YR 4/5), ao qual foi designado de UE [1] (fig. 40) sendo a sua relação clara: a UE [0] sobrepõe-se à UE [1]. É de notar que a discrepância relativa às zonas opostas da área e da sua composição é explicável pelo declive do terreno, no sentido W/E.
Salienta-se que, no centro da área de escavação apresentava-se uma depressão, com uma forma semi-circular, interpretada como um acto de violação. Foi dada a UE [2] à interface de destruição. A situação de escorrimento resultante do declive do terreno não se aplica ao limite Este desta depressão, já que se observava ali a presença abundante e localizada de blocos pétreos, a uma altimetria mais elevada.
Após a remoção da UE [0] e UE [1], observou-se uma outra camada de blocos pétreos, de menor dimensão, coberto por manta morta. Este depósito, a UE [3] (fig. 41), caracteriza-se por um sedimento cascalhento, pouco compacto, castanho claro (Munsell 4/3 10YR), com alguns blocos pétreos de Xisto de pequenas dimensões, sem qualquer padrão de distribuição e/ou orientação.
Figura 41 – UE[ 2] e [3], orientação N-S.
Figura 42 Pormenor corte da UE [2], orientação SE-NW.
A sua remoção permitiu a visualização de um escorrimento de pedras junto ao limite Este da depressão, um possível indicativo de que este novo depósito, UE [3], seria em tudo semelhante ao estrato que cobre o fundo da depressão individualizada. Desta forma, a UE [3], encontrava-se sob a UE [0] e consequentemente sob a UE [1].
O início dos trabalhos de remoção da UE [1], permitiu observar com mais clareza o corte que esta e a imediatamente acima (UE [0]) sofreram com a criação da UE [2] (fig.42), levando não só à individualização do seu interface, mas ainda à clarificação da situação de formação do escorrimento na zona Este da vala de violação, já que este foi formado antes do posicionamento da UE [0], ou seja, é anterior a este depósito, colocada a cobrir a UE [1].
Trata-se assim de um forte indicativo de que se tratava não de uma formação estratigráfica natural mas sim de uma formação antrópica, ou seja intencional, uma situação de estratigrafia invertida. Tanto a UE [0] como a UE [1], foram criadas pela escavação da vala, tal como a presença de manta morta vegetal abaixo destas realidades o indica.
Figura 43: UE [4], orientaçãoW-E.
Figura 44 – UE [5], orientação N-S
Após remoção da UE [3], observou-se que este depósito cobria parcialmente um outro, designado de UE [4] (fig. 43), caracterizado pela presença de blocos pétreos de médias dimensões, de Xisto e Quartzo, este último mais ocasional, de morfologia variável, sem qualquer padrão de distribuição e/ou orientação e nada homogéneo. Procedeu-se ainda ao levantamento do estrato que preenchia a base da depressão, o que demonstrou a continuação da UE [4]. É de notar que ambas as UEs, [3] e [4], se encontravam cortadas pela UE [2].
Com o levantamento da UE [4] observou-se outras duas realidades. Uma primeira, a UE [5] (fig. 44), caracterizada por grandes blocos pétreos de Xisto, dispostos de modo desorganizado, ou seja sem qualquer padrão de orientação e/ou distribuição, no sentido W/E, ou seja, de acordo com o declive do terreno, tendo sido igualmente afectada pela criação da UE [2], ou seja, cortada por esta. Pela sua grande dimensão e disposição, leva a crer que se trata de um derrube embora não haja resposta acerca de que tipo de estrutura e onde esta se localiza.
8.3.1 Materiais Arqueológicos
No sector C, o espólio arqueológico não é abundante, sendo distinto quantitativamente e qualitativamente entre as unidades estratigráficas observadas. Desta forma, salienta-se a UE [3], que proporcionou fragmentos de cerâmica comum romana, nomeadamente um fragmento de uma asa com cordões plásticos, e a UE [4] que proporcionou o único objecto em ferro, de tipologia indeterminada, e o único fragmento de TSH decorada deste Sector. O reduzido tamanho deste fragmento não permite qualquer enquadramento tipológico e consequentemente cronológico. É de notar que todos estes materiais encontravam-se sempre acompanhados de fragmentos de cerâmica de construção vitrificada em abundância.
8.3.2 Síntese
Os trabalhos arqueológicos do Sector C da Terronha do Pinhovelo permitiram esclarecer que os níveis artificiais da área em causa formavam uma estratigrafia invertida, ou seja, sem qualquer formação natural mas sim antrópica.
Tanto a UE [0] como a UE [1] foram formadas no momento de criação da vala (UE [2]), tendo sido colocadas sobre os depósitos arqueológicos conservados. Esta interpretação advém não só da grande semelhança entre a UE [0] e UE [5] e entre a UE [1] e UE [4], como também pela presença de manta morta no limite superior do depósito designado de UE [1], e ainda pelo corte que as UE [3];[4] e [5] sofreram aquando o momento da violação.
Por esclarecer permanece a UE [5], que se assemelha a um derrube de uma construção considerável, tendo em conta a dimensão dos blocos pétreos e a sua posição. Com futuros trabalhos poderão ser respondidas, caso se comprove a interpretação como derrube, as questões relativas ao tipo de estrutura e a sua localização.
Os materiais arqueológicos são escassos, não permitindo alargar muito mais na sua interpretação. A presença de cerâmica comum romana e um fragmento reduzido de TSH permitem contextualizar o espaço em época romana.
Figura 45 – UE [5], orientação W-E (Plano Final).
8.4 – Sondagens
8.4.1 – Sondagem 1
A Sondagem 1 foi implantada no sopé da elevação a Norte da Terronha de Pinhovelo, num local muito afastado da plataforma que aparenta ser o centro do povoado, e fora das linhas de muralha.
Após os dois depósitos de superfície (fase 3) foram detectados vestígios de utilização do espaço, de época romana. O depósito [5] continha um fragmento de Terra Sigillata Hispânica Tardia bem como escassa cerâmica comum, em especial na área na qual seria detectada, posteriormente, a lareira. A cerâmica não fornece muitas informações, salienta-se, porém, o seu fabrico pouco cuidado.
Como foi já referido, coberto por este depósito, encontrava-se uma pequena superfície numa ligeira depressão do afloramento, com vestígios de fogo: o sedimento tinha uma cor escura.
Tratam-se dos únicos indícios da utilização daquela área durante o período romano (fase 2). Saliente-se que, mesmo tendo em conta a exiguidade da sondagem, o espólio recolhido foi muito escasso. Para além de que a Sondagem 2, localizada mais acima, demonstrou-se estéril. Conclui-se, assim, que o espaço em questão terá sido efectivamente utilizado pelo menos no período romano em moldes desconhecidos, mas, provavelmente, de forma mais periférica e ocasional que na área alvo de intervenções mais alargadas, a plataforma onde se localizam os Sectores A, B e C.
Figura 35 – Matriz de Harris do Sector B
8.4.2 – Sondagem 2
A Sondagem 2, localizada a Noroeste da Sond. 1, verificou-se totalmente estéril.
Registaram-se dois depósitos antes do surgimento do afloramento rochoso. O depósito superficial (UE1) corresponde à UE1 da Sondagem 1, enquanto que aquele que antecede a rocha base é equivalente ao [3].
Figura 47 – Matriz de Harris da Sondagem 2
8.5 – Prospecção, desmatação e levantamento topográfico
Para uma melhor percepção da organização interna, dimensão e estruturação do povoado, foram também realizados trabalhos de desmatação e limpeza superficial das estruturas perceptíveis à superfície.
Durante estes trabalhos, foi identificado o derrube de três linhas de muralha, que protegem a entrada Norte do povoado.
Figura 48- 2ª Linha de Muralha
Figura 49– 1ª Linha de Muralha
A primeira linha de muralha revelou ainda uma das suas faces exteriores conservadas.
Figura 50– 1ª Linha de muralha, pormenor
Foi igualmente realizada uma prospecção intensiva ao local, não só no intuito de perceber a verdadeira dimensão do povoado, como também o impacte da abertura do IP2 – EN 216 – Vale Pradinho / Vale Benfeito sobre o sítio.
Figura 51– Corte da 1ª linha de muralhas pela construção do IP2
Desta forma, foi confirmada não só a destruição parcial das muralhas na zona Este do Povoado pela abertura do IP2, como também a presença de materiais de construção e cerâmica de cronologia romana para além desta estrada.
9 – Conclusões
Após esta primeira campanha de escavações vários aspectos relacionados com os processos de ocupação e abandono da Terronha de Pinhovelo, bem como das suas afectações mais recentes, tornaram-se mais claros. Não obstante várias questões ainda carecem de resposta, pelo que parte dos trabalhos futuros serão orientados no sentido da sua resolução.
Deste modo salienta-se, neste primeiro ano, a descoberta de um talude no sector A, bem como duas estruturas negativas, de combustão, de cronologia romana. A descoberta de níveis com materiais da Idade do Ferro sobre o derrube da referida estrutura positiva atestam a sua antiguidade. A cronologia da referida estrutura é ainda incerta e mesmo a natureza e datação dos níveis pré-romanos permanecem pouco claros.
No sector B registaram-se dois compartimentos de planta rectangular e de cronologia romana (Baixo-Império), à semelhança daqueles postos a descoberto pelas escavações de emergência da década de noventa do século XX. Este sector iniciou o desvendar da densidade construtiva daquela que julgamos ser a área central do povoado. De facto, os muito abundantes elementos pétreos, alguns claramente afeiçoados, que se verificam à superfície nesta área onde se verificaram trabalhos agrícolas, atestam esta densidade.
Já a grande dimensão da componente geológica detectada no Sector C parece apontar para a existência de uma grande estrutura naquele local. Sabemos que se trata da parte mais elevada de toda a Terronha de Pinhovelo e que, como foi já indiciado, é frequente a existência de torreões centrais em alguns castros. Não podendo fazer qualquer afirmação neste momento tão prematuro da investigação deste sitio arqueológico trata-se contudo de uma hipótese a colocar. Por outro lado, a frequência de acidentes de cozedura, maioritariamente de cerâmica de construção, bem como de blocos e calhaus de xisto com evidentes sinais de contacto com fogo e altas temperaturas, no sector C, parece indiciar a existência nas proximidades, de um estrutura de forno.
A abertura de sondagens foi insuficiente para delimitar a extensão do povoado, tendo simplesmente evidenciado a existência de ocupação romana exterior ao espaço delimitado pelos taludes e fortificações. Foi detectada uma estrutura de combustão de dimensões muito reduzidas no sopé da elevação que se encontra a Nordeste da plataforma principal da Terronha de Pinhovelo. Ficou claro, de qualquer forma, com os trabalhos de reconhecimento e desmatação do sitio arqueológico, que a construção da via rodoviária que ameaçara a jazida terá efectivamente e apesar do seu desvio, destruído parte desta.
A Terronha de Pinhovelo trata-se, assim, de um Castro com ocupações romanas enquadráveis no Baixo-Império (Pedro Sobral detectou ocupações romanas mais antigas ainda não registadas por nós) e com uma pré-existência da Idade do Ferro. Entre estes dois momentos ter-se-á verificado um hiato. A função mineira que os primeiros arqueólogos que ali escavaram defendiam não foi ainda atestada.
10 – Bibliografia
Alarcão, Jorge (1988), O Domínio Romano em Portugal, Mem Martins: Europa América (Forum História; I).
Carvalho, et al. (1997) Assentamento romano fortificado da Terronha (Macedo de Cavaleiros), Em Busca do Passado 1994/1997, Junta Autónoma de Estradas, Lisboa
Estrabão, Geografia, Libros III-IV, Editorial Gredos, Biblioteca Clásica Gredos, 1ª Edición, 1992, Madrid.
Guerra, Amílcar (1995) Plínio-o-Velho e a Lusitânia, Arqueologia e História Antiga, Edições Cloibri
Harris, E. (1991) Príncipios de estratigrafia arqueológica, Editorial Crítica. Barcelona
Hubner, E (1869) Inscripciones Hispanie Latinae, Berolini: Georgium Reimerum (CILL: Corpus Inscripcionarum Latinarum
Lemos, Francisco Sande (1993) Povoamento romano de Trás-os-Montes Oriental, Dissertação de Doutoramento em Pré-História História da Antiguidade apresentada à Universidade do Minho, Braga
Redentor, Armando (2002), Epigrafia Romana na Região de Bragança, Trabalhos de Arqueologia nº 24, Lisboa
Silva, Armando Coelho Ferreira (1986), A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal, Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins, Paços de Ferreira, Dissertação de Doutoramento em Pré-história e Arqueologia, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.