Estação de Arte Rupestre do Cabeço da Anta
Freguesia de Salselas, Concelho de Macedo de Cavaleiros
Campanha 1/2003 – CNS 17281 Relatório de Progresso (Reprodução parcial)
Carlos Alberto Santos Mendes [1]
1 – INTRODUÇÃO
Na sequência da aprovação do projecto Terras Quentes pelo Instituto Português de Arqueologia e, em consonância com o programado, processou-se entre os dias 18 e 22 de Agosto de 2003, a primeira campanha de prospecção escavação neste arqueosítio. A acção decorreu no âmbito do protocolo e anexo celebrado entre a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, o Instituto Alexandre Herculano da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a Associação para a Defesa do Património Arqueológico do Concelho de Macedo de Cavaleiros “ Terras Quentes”, a Associação dos Amigos do Museu Rural de Salselas e as Juntas de Freguesia de Ferreira, Cortiços, Edroso, Salselas, Vale da Porca, Lamas e Amendoeira, a quem agradecemos. Participaram nos trabalhos diversos alunos da Licenciatura de Arqueologia e História da FLUL e da Escola Secundária de Macedo de Cavaleiros, assim como associados da Associação Terras Quentes e trabalhadores não especializados de arregimentação local.
2- LOCALIZAÇÃO
A estação de Arte Rupestre, agora descoberta, situa-se a um quilómetro pela estrada municipal da saída Norte da Freguesia de Salselas em direcção à povoação de Valdrez, num morro pouco pronunciado e de vertentes suaves, sobranceiro à ribeira de Salselas, pertencente aos Srs. Orlando Costa Escaleira e João de Deus Dias. A uma altitude de 643 m, as suas coordenadas UTM são 4603354 N e 29677817 W, correspondendo a uma latitude de 41 31’ 39’’ N e 06º 51’ 57’’ na folha 64 da Carta Militar de Portugal escala 1:25.000 (fig 1).
Fig 1 localização da estação de arte rupestre do cabeço da Anta. CMP folha 64 esc. 1:25.000
Tanto pelos registos bibliográficos disponíveis “ Memórias arqueológico-históricas do Distrito de Bragança: arqueologia, etnografia e arte” [Alves,1934], “O leste do Território Bracarense” [Neto,1975], assim como do que verte do trabalho de relocalização efectuado pela extensão do Instituto Português de Arqueologia de Macedo de Cavaleiros. A suspeição da valoração do sítio prendia-se com a possível existência no local de um monumento megalítico, o qual, após a prospecção parcial que foi feita ao local, não foi possível confirmar.
Todavia foram descobertas, pelo autor no verão de 2001, duas rochas de xisto “in situ” com gravuras filiformes e no Outono do mesmo ano, uma montureira ( em olival contíguo) com doze rochas gravadas ,também em xisto, com a mesma técnica e repertório homogéneo.
3. TRABALHOS
3.1 METODOLOGIA
A intervenção arqueológica realizada entre 18 e 22 de Agosto de 2003, teve como objectivo uma prospecção sistemática ao local assim como a escavação das duas rochas na expectativa que as mesmas fizessem parte de afloramentos , o que se veio a confirmar.
Foi adoptado, nesta intervenção arqueológica, um método de registo de acordo com os preceitos definidos por Edward C. Harris [Harris,1991]. Como tal escavou-se de forma a proporcionar esse mesmo registo, ou seja, por unidades estratigráficas (UE), a unidade básica de registo. São consideradas UEs as realidades que, aquando da escavação ou posteriormente, forem consideradas como realidades diferenciáveis. Entre estas contam-se depósitos (camadas naturais, de sedimento), estruturas ( negativas ou positivas), derrubes interfaces.
Apesar de inicialmente se ter privilegiado o registo gráfico de cada realidade de modo diferenciado, durante a intervenção, por questões de rentabilização de tempo ou, por vezes, para facilitar a melhor percepção da realidade, efectuaram-se desenhos compostos.
Todas as realidades diferenciadas, (as Ues) foram alvo de um registo fotográfico que acompanhou as diversas fases da sua afectação pelas intervenções arqueológicas.
Postos perante a pretensão do proprietário do terreno, onde se encontrava a montureira, de querer remover as rochas, a fim de limpar o olival, procedeu-se, com a ajuda de maquinaria da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, à remoção dos blocos gravados para local seguro, tendo sido localizadas (fora de sítio e recolhidas) 58 rochas gravadas, depois de se terem feito os desenhos às rochas da montureira, assim como o necessário registo fotográfico.
Os trabalhos de fotografia e decalque foram efectuados durante a noite sob luz artificial razante, as rochas “in situ” cobertas com plástico polivinilico transparente o que permitiu maior acuidade na detecção das gravuras, sobretudo no caso daquelas que são constituídas por traços filiformes.
Em gabinete, os decalques foram transpostos para papel vegetal de 110 grs., sendo utilizada a seguinte simbologia: gravuras filiformes em caneta preta uni-baal 0,3 e 0,5 mm , outras gravuras, também, em caneta preta uni-baal a partir de 0,8 mm a cheio, os limites dos painéis decorados, em linha grossa preta a cheio a partir de 1,2mm, a dobragem das esquinas, a tracejado vermelho, estalamentos e/ou esboroamentos a azul fino, marcas nas rochas, a vermelho cheio a cobrir os limites e as diferenças pendentes expressas em cor verde.
As rochas gravadas e recuperadas para gabinete, foram limpas a ar comprimido moderado, tendo-se criado condições de iluminação artificial, próximas do trabalho de campo.
Foi criada uma simbologia a utilizar uniformemente no decalque das gravuras. Assim, utilizou-se a cor preta para o decalque dos filiformes e outras técnicas de gravação (enchendo sempre o traço do decalque). Para os limites dos painéis, utilizou-se o preto1,2 mm; na dobragem das esquinas fez-se a tracejado vermelho, para os estalamentos e/ou esboroamentos a cor azul, no decalque das marcas nas pedras utilizou-se o vermelho a cheio cobrindo os limites e por fim a cor verde para indicação dos pendentes.
Posteriormente, todos os desenhos foram fotografados e transpostos para slides de alta resolução, e depois, para suporte informático, digitalizando-os.
Foram abertos dois sectores (“A” e “B”) de escavação em malha com um metro de lado formando quadrados de 2 metros de lado, implantando-se o referencial, orientado segundo o Norte Magnético.
Após a escavação foram os sectores A e B, protegidos com manta geotêxtil de 120grs/m2 e cobertas com terras de crivo.
4 – INTERPRETAÇÃO PRELIMINAR
Foram descobertas no sítio denominado Cabeço da Anta, freguesia de Salselas, no verão de 2001, pelo autor, duas rochas de xisto “in situ” com gravuras filiformes. No Outono do mesmo ano, acompanhado pela sua mulher, Maria Belmira Mendes, esta, localizou, numa montureira localizada no meio de um olival, doze rochas com a mesma técnica de gravação e repertório homogéneo.
A intervenção arqueológica realizada entre 18 e 22 de Agosto de 2003, teve como objectivo uma prospecção ao local assim como a escavação das duas rochas decoradas, na expectativa que as mesmas fizessem parte de afloramentos, o que se veio a confirmar.
João de Deus Dias, proprietário do olival onde se encontrava a montureira, tinha manifestado o interesse em retirar o amontoado das pedras afim de definir extremas com Orlando Costa Escaleira. Nesse sentido e na iminência do desaparecimento das pedras, solicitei à Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros equipamento e mão de obra necessária para se retirar os blocos com gravações, não sem antes ter efectuado o seu registo por desenho e fotografia, só depois de procedeu à evacuação para local seguro e apropriados de cerca de cinco dezenas de blocos pétreos de várias dimensões e com gravações.
Durante os trabalhos de escavação, 20 de Agosto, compareceu no local o Dr. Mário Reis, da extensão do IPA de Macedo de Cavaleiros, que foi posto a par do decorrer dos trabalhos, levado aos locais onde se encontravam os blocos com gravações, confirmou o interesse do achado, não tendo, por outro lado, dado conta da existência de qualquer anomalia técnica ou de procedimentos.
Arte (Rupestre)?
De todas as manifestações do género humano, a que mais nos diferencia de outro ser vivo é aquilo a que se convencionou chamar Arte. È na arte que expressamos a nossa capacidade de pensar de imaginar de nos abstrair e, também de crer de nos interrogar e explicar. Para alguns autores será através das figuras gravadas ou pintadas nas rochas (sejam de que época forem), que teremos a oportunidade de penetrar no mundo do intelecto do homem do passado.
“ Mas chamar “artístico” a um objecto é uma convenção, assim, em que limites estamos dispostos a utilizar tal convenção? Há condições para estabelecer alguma objectividade – objectividade não significa “ verdade”, significa um conjunto de regras de partilha na formulação e validação de conhecimentos – na análise, descrição e interpretação de tais produções” [JORGE;2003:255]
Mas fugindo das convenções, atente-se na explicação de funcionamento do cérebro triúnico e do seu neocórtex, “ mãe da invenção e pai da abstracção”, sendo a sede das aptidões analíticas e lógicas, estratégicas que permitem ao homem abrir-se para o mundo físico e social que o rodeia e analisá-lo na multiplicidade dos seus pormenores e na diversidade dos seus esquemas de organização”. [MORIN;1996:90].
André Leroi-Gourhan explica-se de outra maneira “ a formação de dois conjuntos funcionais (mão-utensílio e rosto linguagem), fazendo intervir primeiro a motricidade da mão e da cara na transformação do pensamento em instrumento de acção material e depois em símbolos, sendo que o aparecimento do símbolo gráfico pressupõe o estabelecimento de relações novas entre os dois pólos operacionais, relações essas exclusivamente características da humanidade, no sentido restrito do termo, isto é, como reflexo de um pensamento simbolizador na medida em que nós o possuímos … temos agora a certeza de que o grafismo começa não por uma representação inocente do real, mas sim do abstracto, correspondendo o abstracto a uma adaptação progressiva do dispositivo motor de expressão a solicitações cerebrais cada vez mais precisas” [LEROIN-GOURHAN;1990:189-191].
Se a reflexão de Vítor Oliveira Jorge nos remete para a nossa permanente incapacidade de entendermos o verdadeiro significado do que levou e o que se pretendeu ao gravar uma simples linha, uma figura geométrica, ou figurativa numa rocha, já a abordagem ao estado do intelecto do indivíduo que assim se expressou nos parece mais exequível. Rodolfo Kock, dá-nos algumas chaves: Linhas verticais ou horizontais movendo-se juntas ou independentes não realizando coisa alguma, emergindo do nada e para o nada regressando, poderão representar um estado intelectual passivo. Já, se essas linhas se mostrarem na vertical, estaremos perante um intelecto activo. Somente um intelecto criativo encerra um determinado espaço, criando uma figura definida, tornando um objecto real, como por exemplo, um triângulo, mas quando o intelecto é desordenado, a figura dissolve-se – uma vez mais as linhas retornam ao vazio, cortando-se umas às outras numa destruição total. [KOCK:1999:12]
Periodização
A cronologia , mesmo relativa, a que supomos poderem situar-se as insculturas mais antigas do Cabeço da Anta de Salselas “ Calcolítico/Bronze” é, justamente, o período menos estudado da arte rupestre em estações ao ar livre. Por outro lado, devido há enorme quantidade de petróglifos encontrados, não houve tempo suficiente para análise e reflexão globalizante sobre o espólio.
Estamos perante duas situações de recolha diferentes, uma (a maior parte dela) efectuada numa montureira criada há cerca de 50 anos, onde encontrámos blocos (com painéis gravados) de variados tamanhos, que vão das poucas dezenas de quilos até às 8/9 toneladas, alguns deles mostrando uma boa patinagem dos sulcos gravados, mas outros, por estarem soterrados, encontram-se sem patine aparente.
Os blocos escavados e “in situ” para além de nos certificarem o local original de gravação, mostram idêntico fenómeno, isto é, a pouca superfície que se encontrava imersa encontra-se com patine forte, sendo que a parte da rocha que estava submersa (mas com gravações) está desprovida de patine, apresentando-se ainda fresca, com sulcos de cor mais clara contrastando fortemente com as gravuras patinadas.
O que nos leva, numa primeira análise, à proposta de periodização das gravuras é não só a sua homogeneidade temática, como também o aparecimento de figuração bélicas, supostamente atribuíveis à Idade do Bronze nomeadamente, Alabardas, Laminas, Arcos e Flechas visíveis nos blocos 1000 e 1002 (in situ) bem como em outros recolhidos, caso do bloco 1002 ( pertencente a um conjunto de rochas que se encontravam dispersas pelo terreno) bloco 4, 16 etc.
Técnicas de gravação
Numa primeira abordagem, infere-se que as técnicas de gravação utilizadas, na maioria dos casos foi a de incisão, técnica conseguida a partir da repetição do gesto (fricção) com recurso a um instrumento resistente e pontiagudo. Encontra-se, também, alguns traços feitos por abrasão, (forma de regularização de um sulco preexistente), provocado pelo desgaste da superfície rochosa por atrito . Não existem sinais de aplicação da técnica de gravação por picotagem, ou seja, traços obtidos por percussão directa ou indirecta definindo linhas.
Sobreposições
Estamos perante, em alguns casos, situações de sobreposição de gravações que ocorreram, eventualmente, em distintos períodos cronológicos, mas em caso algum nos parece situações de palimpsesto, estando por fazer a análise da sobreposição dos traços a fim de ordenar a sua execução.
Metodologia do trabalho efectuado
A pouca prospecção efectuada permitiu-nos ainda referenciar mais quatro rochas decoradas perto das outras duas que foram escavadas, faltando contudo, (por falta de meios de desmatação, em tempo útil), fazer a prospecção a mais de 70% do cabeço da Anta. Só após esse trabalho teremos o reconhecimento dimensional da estação. Uma das áreas de estudo a privilegiar será a analise da implantação dos painéis na paisagem bem como a variabilidade do seu conteúdo figurativo em função dos padrões de localização.
Este método de trabalho tem sido seguido no estudo da arte do Côa, parecendo-nos que o caso do Cabeço da Anta se encaixa numa das tipologia de implantação detectadas; “ há figuras de pequena dimensão geralmente filiformes, dispersas, sem ordem aparente, pelas encostas, « decorando» de modo quase indiscriminado os diversos afloramentos nelas existentes; o seu tamanho e posicionamento sugerem uma relação com comportamentos menos »públicos» do que os testemunhados pelas duas categorias anteriores”[ZILHÃO;1998:27]
O transporte, para lugar seguro, dos blocos que se encontravam na montureira, deu-se em momento anterior ao período de escavações, não havendo nessa altura tempo para qualquer análise. Somente com a captação de recursos humanos, em período de escavação foi possível proceder, com mais minúcia, ao reconhecimento das figurações nelas existentes.
Os dois blocos que se encontravam cobertos por aluviões recentes, foram postas a descoberto através de cuidada escavação manual de modo a não danificar qualquer gravura, havendo, como resultado, a certificação do local de gravação, visto tratarem-se de dois blocos que fazem parte de uma crista de afloramento, não havendo qualquer vestígio material, nem antracológico ou outro a registar, resultante da intervenção efectuada nas quadrículas dos sectores A e B.
O registo das gravuras foi efectuado em dois momentos. O registo das gravuras “in situ” foi efectuado durante a noite, com luz artificial rasante, o que permitiu uma maior acuidade na detecção das mesmas, e por fotografia digital sendo que, a reprodução das gravuras (em tamanho e forma dos originais) e dos principais acidentes dos seus suportes foi efectuada primeiramente em plástico de cristal polivinilico, já em gabinete, esses decalques foram passados para papel vegetal de 110 grs e posteriormente digitalizados permitindo, através dos meios informáticos, ter acesso a uma visualização de maior pormenor .
Um outro momento, teve a ver com as condições de registo efectuado aos blocos que entretanto tinham sido recolhidos. Os procedimentos técnicos foram iguais, diferenciando-se o momento de decalque, pois foi possível fazer o trabalho durante o dia criando, artificialmente, as mesmas condições de captação de registo nocturno.
As rochas que se encontravam em gabinete, foram limpas a ar comprimidos de baixa pressão, a as “in situ” a pincel e a seco.
Análogos convenientes.
A “estação” da arte rupestre do Cabeço da Anta em Salselas, parece integrar-se, em termos de temática de repertório e técnica de gravação, com outras já existentes, como por exemplo “ ao grupo Ridevides, Molelinhos, Pedra Letreira de Góis, com gravuras litotrípticas praticadas no xisto e incluindo a representação de armas ( entre as quais falcatas, típicas da I. do Ferro, nas gravuras de Tondela) que deveria ser considerada, também, uma manifestação artística autónoma adentro das gravuras-portuguesas; [JORGE;1987:275], mas sobretudo com as gravuras de Maria de Jesus Sanches, da Fraga do Diabo, abrigos 1 e 3, painel 2; Abrigo 2 de Vale de Espinheiros; Aguçadeiras, abrigo 1, painel 2 [Sanches;1992 pp, 42-46], se bem que, na sua generalidade, estas gravuras tenham sido encontradas em ambiente de palas de grutas. Referindo esta autora que estas estações rupestres de abrigo e ar livre ( Rebolhão, freguesia de S. Martinho de Angueira, Fraga das Cruzes, lugar de Sampaio, freguesia de Azinhoso e Fraga da Fonte da Rodela, freguesia de Meirinhos) se situam em vales abrigados de afluentes ou subafluentes dos rios Douros e Sabor, quase sempre muito próximos às linhas de água [SANCHES;1992:41], como se verifica no caso da estação do Cabeço da Anta, que se situa muito próxima à ribeira de Salselas.
Em nota (18) [SANCHES,1992:42],ás gravuras da Fonte da Rodela descreve assim o que esta autora pensa sobre arte abstracta… “ usamos aqui a classificação proposta por J. Abélanet;1986, em signes sans paroles – Cen Siécles d’arte pp89 e 90, afirma este.. as designações de arte naturalista, subnaturalistas, semi-esquemáticas, esquemáticas e abstractas prestam-se a inúmeras confusões, estas confusões advém do facto de, entre estas noções, se interpor, em termos formais, uma distinção gradativa por vezes muito ténue. Segundo Abélanet, a arte naturalista pretende reproduzir em duas , a realidade observada e é naturalmente subjectiva pois implica uma particular interpretação dessa mesma realidade; na arte subnaturalista ou semi-naturalista, desenham-se linhas gerais dum objecto sem atender aos detalhes particulares; a arte semi-esquemática mostra «silhuetas estilizadas, voluntariamente desprovidas do acessório» mas evidencia ainda ligações com os respectivos objectos reais. O esquematismo (ou arte esquemática) corresponde a uma elaboração intelectual pois já não se pretende descrever o objecto, mas evocá-lo com um mínimo de meios. Finalmente a arte tornar-se-á abstracta quando « negligencia totalmente a realidade». «Evolui no mundo hermético dos símbolos elementares e convencionais» e o seu significado não é perceptível senão para aqueles que o conhecem de antemão. Nesta acepção podemos situar a arte abastracta já no limiar da escrita simbólica ou ideográfica, mais intensa e sintéctica que a escrita alfabética.”
Também o painel 1 da Estação de arte rupestre de Molelinhos na descrição feita por Ana Leite da Cunha, “grande parte das gravuras são só riscos, aparentemente feitos ao acaso e que se espalham por toda a superfície, embora haja zonas de maior concentração. Assim, numa destas zonas há um belo conjunto de armas executadas com esta técnica [incisão e abrasão(gravuras filiformes)], sendo uma delas provavelmente, um punhal de antenas. Há ainda um razoável número de lanças, algumas laminas afalcatadas, foices, punhais, motivos em ziguezague, ramiformes, reticulados, etc., também executados por incisão.[CUNHA;1991:253,254].
As figurações, até ao momento, descortinadas nas gravações dos blocos do Cabeço da Anta, são várias laminas de punhais, dois arcos apetrechados com flecha e laminas de alabardas encabadas e não encabadas, estas, com grande insistência na temática, arma predominantemente em cobre com nervura central e extremidade distal de forma triangular, normalmente apresentando 3 orifícios para rebitagem com o cabo.[PRIEGO RUIZ-GÁLVEZ:1998:365] São típicas do noroeste da Península, definidas por Schubart, a partir dos exemplares descoberto em Carrapatas ( concelho de Macedo de Cavaleiros, cerca de 10 Km de Salselas).
(Priego Ruiz-Gálves : 1998:166)
Estas armas, típicas da Idade do Bronze, apresentam-se no horizonte das Alabardas Atlânticas Peninsulares, com grande incidência na região de Macedo de Cavaleiros; 2 exemplares em Carrapatas; 4 exemplares em Vale Benfeitos, 2 exemplares em Abreiro, já Concelho de Mirandela, outro exemplar em Vimioso, Alto das Pereiras e habitat das Baútas, esta na região de Lisboa. Outros exemplares foram descobertos em Espanha, considerados no mesmo horizonte, casos de El Arribanzo, Gerona, Laderón, Peñalosa, Cerro Benzalá e Manzanares [SENNA-MARTINEZ:1994:163-165].Isto é, dos 17 exemplares conhecidos temos que, 41,2% se situam no concelho de Macedo de Cavaleiros.
Por estas razões, vai fazendo sentido, por omissão ou desconhecimento, em todas os análogos de sítios com gravuras estudadas nunca ter aparecido figurações de alabarda “tipo Carrapatas”, na sua temática.
É transversal nas reflexões que Marisa Ruiz-Galvez Priego faz em torno da Idade do Bronze Peninsular, e aos fácies culturais estudados, (El Argar, Bronze Valenciano, Cultura de las Motillas, Baixo Guadalquivir, Bronze de Campiña, Bronze do Sudoeste, Meseta e início Cogotas I, áreas Atlântica e Noroeste), a existência, clara, na Península durante o final do III , todo o II como o primeiro quartel do primeiro milénio cal a. C. de duas etapas diferenciáveis , uma Primeira Idade do Bronze que surge nos substractos Calcolíticos de maior ou menor duração, segundo as diversas áreas e uma Segunda Idade do Bronze ou Bronze Final, hoje entendida, tal como as restantes etapas da Pré-História Recente Peninsular, na pluralidade das suas expressões regionais [Senna-Martinez:2002.]
É dentro da Primeira Idade do Bronze que se localiza a emergência de uma expressão simbólica das armas (alabardas, punhais, machados, espadas etc.) numa temática marcadamente andriarcal que substitui a temática feminina “Deusa Mãe” Neolítica.
5 – Bibliografia
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Novas descobertas de arte paleolítica de ar livre no Alto Sabor (Trás-os-Montes)
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LISTA DE PARTICIPANTES
Carlos Alberto Santos Mendes Lic em História Variante de Arqueologia
Marcelo Flores Lic em História Variante de Arqueologia
Sandra Cristina Pereira Lic em História Variante de Arqueologia
Helder Carvalho Lic em História Variante de Arqueologia
Manuel de Sousa Cardoso Lic em Medicina Veterinária ATQ
António Cravo Lic em Sociologia ATQ
Maria Belmira Mendes Associação Terras Quentes
Miguel Lage Correia 4º ano Lic Arqueologia e História da FLUL
Paulo Dias 4º ano Lic Arqueologia e História
Nídia Santos 4º ano Lic Arqueologia e História
Maria Eugénia Feliz 3º Ano Lic Arqueologia e História
Manuel Portocarrero Cardoso 9º ano da Esc. Sec. de Macedo de Cavaleiros
Igor Alexandre Martins 9º Ano da Esc, Sec. de Macedo de Cavaleiros
Vicente Portocarrero Cardoso 11º Ano Esc. Sec. de Macedo de Cavaleiros
Pedro Manuel Sarmento Arregimentação local
Bruno Miguel Neiva Arregimentação local
ELEMENTOS GRÁFICOS
Fotos
(aspecto da remoção das rochas gravadas da montureira)
(aspecto da montureira, após desmatagem, desenho e fotografia)
(armazém onde se encontram armazenadas as rochas recolhidas)
(rocha do sector “B”, antes de ser intervencionada)
(rocha, sector “B”, após intervenção)
(Rocha sector “A” antes da intervenção)
(Rocha sector “A”, após intervenção”)
(aspecto da escavação da rocha do sector”B”)
(aspecto do trabalho de decalque das gravuras da rocha sector “A” “in situ” efectuado á noite)
(aspecto do decalque da rocha do sector “B” “in situ” efectuado à noite)
(aspecto de trabalho em gabinete – passagem para vegetal dos decalques das gravuras)
(aspecto do trabalho em gabinete, passagem para vegetal dos decalques das gravuras)
[1] Licenciado em História Variante de Arqueologia pela F.L.U.L. e responsável pelo projecto Terras Quentes