Protocolo ISCTE
Os trabalhos de Antropologia surgem na Associação Terras Quentes por intermédio do GESP (Gabinete de Estágios e Saídas Profissionais) do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), segundo protocolo assinado a 31 de Janeiro de 2004. Os trabalhos desenvolvem-se segundo um plano pré-estabelecido de investigação programado para um ano de acção (Outubro de 2005 a Setembro de 2006), tendo sido proposto por uma aluna (à data do protocolo) da licenciatura de Antropologia do instituto acima referido.
Objectivo: Perceber a comunhão estabelecida entre os habitantes do Concelho de Macedo de Cavaleiros e o espaço geofísico que os envolve, considerando o conhecimento dessa realidade no tempo presente mas também no tempo passado.
Assim torna-se inevitável considerar a existência de dois campos etnográficos distintos: a cultura material (património edificado ou qualquer objecto palpável) e a cultura imaterial (os rituais, os cerimoniais, os hábitos e os costumes das populações). Noções predominantes no trabalho desenvolvido pelo CEEP (Centro de Estudos Etnográficos Peninsulares, entre as décadas de 1930-1960), de onde se destaca Jorge Dias, entre outros.
Este projecto de cariz antropológico surge circunscrito ao perímetro de Macedo de Cavaleiros. Considerando uma área geográfica menor garantiremos um grau de maior profundidade epistemológica, contudo não se ignorando a permeabilidade e disseminação da cultura entre povos e gentes diversas. Desta realidade são exemplos os trabalhos desenvolvidos pelo antropólogo social Paulo Raposo acerca dos Caretos de Podence, contextualizados na temática das performances (pesquisa no âmbito da sua tese de Doutoramento, 2002) e ainda de António Cravo com o seu Museu Rural de Salselas (inaugurado em 2000) que conta com um intenso espólio etnográfico local representativo da vida rural nacional.
Tomado consciência dos riscos que corre a cultura rural macedense este projecto propõem-se a tomar medidas de prevenção que, não evitando o desaparecimento desta, evitarão o seu esquecimento. Deste modo propõem acções de recuperação de antigos centros de acção humana, tais como, lagares de azeite movidos a força animal ou industrial ou os fornos da Cal do lugar de Vale da Porca, entre tantos outros, com o intuito da musealização destes mesmos locais. Se tal proposta se tornar uma realidade para além do potencial turístico crescerá também o potencial educacional, pois funcionará como um complemento pedagógico para as crianças, fomentando o contacto com a realidade rural através de visitas de estudo para todos os ciclos de ensino.
Metodologia: Contando essencialmente com a capacidade de memória do investigador (factor comum ao trabalho de campo antropológico), este tipo de investigação exige alguns auxiliares dessa mesma memória. Estes servem como formas de registo material, bases práticas de apoio à investigação e certamente também como provas e amostras de uma realidade que não se encontra acessível para quem não a procura in loco. Refiro-me então a aparelhos de registo áudio, registo visual, registo audiovisual para além do tradicional bloco de notas e lápis. A recolha de material poderá passar também pela reprodução em formato de fotocópia de potenciais documentos históricos escritos que se encontrem na posse dos habitantes ou entidades do Concelho.
A recolha do material será efectuada em três fases distintas, que não são necessariamente separadas no tempo: a visita às localidades para recolha fotográfica e registo escrito do património; contacto com os habitantes procurando registar o que estes sabem acerca deles próprios e do meio que os rodeia; procurar apoio teórico em obras de referência, buscando fundamentação teórica, similitudes e contrastes com outros contextos.
Posto isto basta apenas esclarecer que o método preferencial de recolha de informação é a entrevista, a simples conversa que poderá tomar lugar na residência do informante, no café, em locais de convívio social públicos ou privados ou mesmo na rua, no decorrer de cerimónias e rituais ou ainda de comportamentos lúdicos ou de labor. A Antropologia é considerada por muitos a ciência dos sentidos, pois é através deles que o antropólogo adquire a capacidade de questionamento acerca da realidade, condição elementar para que todo o seu trabalho ganhe lógica. Assim, a utilização da visão, da audição, do tacto ou do paladar torna-se um método tão indispensável como a própria entrevista, podendo mesmo afirmar que estes são o botão starter que nos leva a iniciar uma conversa com os informantes.
Se o contacto com os habitantes do concelho é fundamental para obter informações, registar de forma completa e ordenada essa mesma informação não se torna menos importante. É através do levantamento do património etnográfico de uma região que se ganha consciência das potencialidades etnológicas contidas nesse mesmo perímetro, e das singularidades de uma população enquanto grupo cultural. É desta forma que toma todo o sentido iniciar-se qualquer projecto por esta etapa. Neste sentido este projecto propõem-se também a elaborar uma base de dados (inventário etnográfico) que dará a conhecer aos órgãos administrativos locais os bens que possuem dentro dos seus limites territoriais, mas também tornará todo o património etnográfico mais acessível para posteriores investigações. Não excluindo a hipótese de publicar o inventário etnográfico compilado em temáticas.
Será, necessariamente, no decorrer da primeira fase da elaboração do inventário etnográfico que se iniciará uma segunda fase, a fase etnológica, propriamente dita. É nesta etapa que se procederá à ordenação das ideias e construção de artigos escritos acerca do material recolhido, retirando algumas conclusões, colocando, aos poucos, em pé-direito a história antropológica do concelho de Macedo.
Embora a consulta de obras de referência seja indispensável ainda antes de começar o trabalho prático da recolha etnográfica, a importância desta vai afirmar-se quando se entra no período concreto da ‘montagem’ das teorias etnológicas. É ao deixar respirar o material recolhido que sentimos necessidade de fundamentar ou confrontar com outras visões, outros prismas e perspectivas, semelhantes ou não, a nossa própria visão. Por estas razões, este momento de reflexão, aparentemente infrutífero, é tão importante como a parte prática desenvolvida anteriormente. Com isto deve ficar claro que o trabalho antropológico não pára, é um trabalho contínuo, que não termina mal se deixa o campo, ao entrarmos dentro das quatro paredes iniciamos uma nova fase.
Algumas sugestões de temas específicos possíveis de desenvolvimento: Como foi referido anteriormente só depois de se conhecer o contexto em questão é que se pode começar a pensar em temas possíveis e interessantes de desenvolver. Ficam algumas sugestões, cientes porém da existência de muitos outros assuntos que deverão pairar por terras macedenses.
- O azeite: uma imagem de marca ou um produto da Comunidade Europeia?
- A cultura do linho, a herança material e memorial
- Água, as fontes de mergulho: da necessidade estrutural básica da comunidade à constituição de local de encontro social
- O caminho de ferro, que passado de prosperidade
- Os fornos de cal, o ouro que colocou e retirou Vale da Porca do mapa
- A industria da seda
- As casas brasonadas, a sua importância social e cultural ao longo dos tempos e a distinção social que proporcionaram.
- Quais as origens dos mouros transmontanos que de geração em geração se vão perpetuando na memória rural macedense?
Os períodos de trabalho de campo estarão em conformidade com os ritmos da população local quando o objectivo for procurar tomar conhecimento in loco com a cultura imaterial. Isto é, os períodos de observação dos rituais e afins ou ainda dos trabalhos sazonais, como a apanha da azeitona (e.g.), serão regidos segundo as temporalidades próprias da gente local. O levantamento do património edificado, por sua vez, poderá ser efectuado em qualquer outra época.
Etapas do projecto: O projecto deverá subdividir-se em quatro fases distintas (mas não necessariamente isoladas temporalmente):
- Levantamento do património etnográfico material e imaterial
- Restauro de possíveis pontos de interesse museológico (moinhos de vento, azenhas, lagares de azeite, fontes e fontanários, nichos e marcos de culto, etc.)
- Reconstrução em parcelas da história de vida dos macedenses a partir da elaboração de pequenos artigos (documentos) exploratórios das diversas temáticas proporcionadas pela riqueza etnográfica e histórica do concelho.
- Exploração profunda de um aspecto social ou cultural singular do concelho de Macedo de Cavaleiros ou de um lugar ou de um grupo especifico, numa obra ao estilo de monografia.
Objectivos últimos: Explorando a história mais recente do concelho, porque a mais antiga deixamos a cargo dos arqueólogos, iremos descobrir tradições, crenças, ritos e mitos que correm o risco maior que existe em qualquer cultura: o esquecimento. Erguendo velhas memórias pessoais e colectivas, materiais ou imateriais, deixaremos que elas nos digam o que sabem.
Para mostrar o interior das Terras Quentes a quem o constrói quotidianamente e aos outros que se encontram de passagem este projecto sugere a realização de exposições, palestras e visitas guiadas a locais de interesse, projecção de circuitos temáticos tornando possível o contacto directo com realidades diferentes e ainda a publicação de dados em periódicos locais e publicações especializadas (dando a conhecer Macedo a outros tipos de públicos).
Fazer crescer Macedo de Cavaleiros sobre si mesmo desvendando-lhe a sua própria realidade, que é simultaneamente próxima e longínqua, e deixá-lo a reflectir sobre ela é, talvez, o último grande objectivo deste projecto.