A Fraga dos Corvos (Macedo de Cavaleiros)

Um sítio de Habitat da Primeira Idade do Bronze em Trás-os-Montes Oriental. A Campanha 3 (2005)

João Carlos de Senna-Martinez [1],
José Manuel Quintã Ventura [2],
& Helder Alexandre Carvalho [3]

1.      Localização e Ambiente

A Fraga dos Corvos é um esporão rochoso constituído por xistos anfibolíticos situado na vertente noroeste da Serra de Bornes na elevação conhecida localmente como Monte do Vilar, sobranceira à povoação de Vilar do Monte, sede da freguesia do mesmo nome, concelho de Macedo de Cavaleiros.

O cabeço possui domínio visual sobre a quase totalidade da bacia de Macedo de Cavaleiros nomeadamente sobre as portelas tradicionais de trânsito em direcção a nor­deste (Bragança) e noroeste para Murça (Abreiro, Carrapatas, Vale Benfeito e Vimioso – cf. Bártholo, 1959), em particular a de Carrapatas, célebre pelo depósito de alabardas aí encontrado em 1891 (Bártholo, 1959: 435-436).

Na base de dados do IPA, sob o CNS 6650, consta como um “…povoado fortifi­cado de grandes dimensões, situado no topo de um grande monte, sobre a aldeia de Vilar do Monte, nos contrafortes ocidentais da serra de Bornes…”.

O cabeço é limitado a Noroeste por uma vertente bastante abrupta de rocha onde se abrem dois abrigos. As coordenadas do referencial altimétrico que implantámos num ponto dos afloramentos do topo desta vertente são: Longitude 99 122,194 e Latitude 203 403,721 GAUSS, para uma altitude de 870,856 m, na folha 78 da CMP 1/25000 (fig. 1).

A Nor-Noroeste desenvolve-se uma plataforma em declive suave que constitui a área que designámos como Sector A onde implantámos um referencial ortogonal com o eixo dos y orientado segundo o norte magnético cobrindo uma área de 15m por 20m correspondente à parte norte do topo do cabeço.

Fig. 1 – Bloco diagrama de parte da Bacia de Macedo de Cavaleiros com a localização da Fraga dos Corvos.

O cabeço é limitado a poente e nascente pelos vales relativamente profundos de duas pequenas ribeiras, respectivamente a de Vale de Nogueira e a Ribeirinha.

2.      Antecedentes da intervenção de 2005

O sítio da 1ª Idade do Bronze da Fraga dos Corvos foi descoberto em 2003 em resultado de trabalhos de desmatação que o puseram em perigo e que justificaram uma primeira intervenção (Senna-Martinez, Ventura & Carvalho, 2004).

O Sector A – Ao fim da segunda campanha (2004) o Sector A deste arqueosítio era caracterizável, na sua fase estratigraficamente superior, como um povoado de caba­nas sub-circulares ou elipsoidais (Figs.2 e 3). As primeiras (Cabanas 1, 2 e 3) apresen­tam cerca de três metros de diâmetro, sendo delimitadas por 13 a 14 buracos de poste perimetrais e um central, de maior diâmetro; a de tipo elipsoidal (Cabana 4) é maior, com eixos de 4m por 3,2m, delimitam-na 20 buracos de poste perimetrais, apresentando tam­bém um central, equivalente aos das demais cabanas. No seu extremo sul situava-se uma estrutura negativa de planta ovalada (a unidade estratigráfica 57 – UE 57) com eixos de 88cm por 77cm, cheia por areias obscurecidas e com restos de cinzas (UE 58), sendo delimitada por uma oval de pequenas pedras (Senna-Martinez, Ventura & Carvalho, 2005).

Perto do extremo oeste desta estrutura foi recolhido um “pingo de fundição” metálico [FCORV-A-193], posteriormente identificado pelo Labo­ratório de Arqueo­metalurgia do ITN como tratando-se de um Bronze Binário de cobre e esta­nho[4], bem como um provável fragmento de escória ainda não analisado.

Este conjunto de dados permitia assim colocar a possibilidade da estrutura com­posta pelas UEs.57/58 constituir uma “caixa-de-areia” e da extremidade sul da Cabana 4 ser interpretável como uma “área de fundição”. As próprias dimensões da Cabana 4 permi­tiam perspectivar para esta uma funcionalidade diferente das restantes três até então escavadas.

Sob parte da Cabana 1, quadrados N12/13, abaixo das cotas de cerca de 866,90m, detectámos uma outra realidade, presente sobretudo em N12 e encostando ao negativo dos buracos de poste UEs.7, 15 e 30, cons­tituída por uma matriz de terras argilosas [UE.151] castanho escuras (7.5YR3/2) clara­mente diferenciáveis da UE.1 (ter­ras argilosas castanho avermelhadas escuras – 10YR4/4) e que recobrem um empedrado de elementos de média dimensão em xisto e quartzito [UE.152] com abundantes termo­clastos e restos ósseos fragmenta­dos e calci­nados (aparentemente todos de origem ani­mal e englobando ovicaprinos e suínos[5]) com alguns raros restos de carvões vegetais dis­persos.

Desenhavam-se, desta forma, como objectivos principais da campanha 3(2005) a escavação integral da área correspondente à Cabana 4 e continuação de escavação do conjunto de evidências sob a Cabana 1 e que designámos como Cabana 5.

Os Abrigos – Localizados na face Oeste da Fraga dos Corvos, caracterizam-se como uma série de cavidades entre penedos de xisto anfibolítico, criadas pela justaposi­ção caótica de blocos de grandes dimensões.

Duas destas cavidades, as de maiores dimensões, os abrigos 1 (FCORV-A1) e 2 (FCORV-A2) numerados a contar do topo da vertente, foram alvo de uma acção de lim­peza e levantamento topográfico na campanha de 2003, permitindo determinar que:

  • O Abrigo 1, situando-se a uma cota média de 17 metros abaixo do topo do cabeço, apresenta-se como uma cavidade sob pala xistosa, com profundi­dade média de 3,50m – à face da pala – no sentido O-E e de 3,50m de largura no eixo N-S. A entrada da cavidade apresentava uma altura média de 2,10m, reduzindo-se para uns meros 0,50m na parte mais profunda. O solo encontra-se preenchido por elementos pétreos em xisto de médias e grandes dimensões, para além de enchimento de terra, com uma espessura indeterminada. Não foram detectados, durante a limpeza de matos e levantamento topográfico, quaisquer materiais arqueológicos.
  • Situado 7 metros imediatamente abaixo deste, localiza-se o Abrigo 2, que se apresenta como uma cavidade mais profunda, criada pelo espaço entre dois blocos xistosos. Tem uma profundidade média de 6,30m – à face da pala – no sentido O-E. A sua largura à face da “pala” é de 3,60m sendo a sua lar­gura média interna de cerca de 2,20m (cf. Estampa IV). A entrada apresenta-se com uma altura média de 3,10m, mas que diminui para uma altura média interna de 1,50m, sendo de 1m em média na sua parte mais profunda.

Na parte mais profunda, identificámos pelo menos 3 chaminés, o resultado dos interstícios entre os grandes blocos de xisto.

Fig. 2 – Aspecto do Abrigo 2, W-E, após a remoção das terras de crive e geotêxtil, usado para proteger a área esca­vada na campanha de 2004

Foi ainda possível verificar, que o enchimento original do Abrigo 2, tinha sido profundamente afectado, por acção antrópica recente, sendo ainda visíveis diversas fos­sas, algumas com uma profundidade média que atingia cerca de 0,50m. A crer nas mar­cas deixadas nas paredes do abrigo, o nível primitivo dos respectivos enchimentos deveria encontrar-se cerca de um metro acima do actual.

Numa primeira excavação, efectuada em 2004, foi possível determinar que ape­sar de remeximentos recentes, parte dos enchimentos originais ainda se conservavam no sector sul do abrigo, tendo sido identificados pelo menos dois pisos de habitat. Um destes – Piso b – encontrava-se associado ao negativo de um buraco de poste e uma estrutura pétrea de retenção e suporte das terras do abrigo.

Fig. 3 – Extremo sul da Cabana 4, uma vez desmontado o respectivo piso [UE.2], sendo visíveis o rebaixamento do afloramento de xistos para a respectiva construção bem como a “caixa de areia” [UE.57] ainda por desmontar.

3. A Campanha 3 (2005) [6]

3.1. O Sector A

– A Cabana 4 – Na campanha de 2005 terminou a escavação da Cabana 4 tendo sido desmontado a totalidade do seu piso. Pudemos deste modo verificar que para construí-la fora parcialmente rebaixado o afloramento de xisto (fig. 3 e Estampa I) sobre a qual se situou mais de metade deste piso, nomeadamente a parte correspondente ao seu extremo sul onde encontráramos em 2004 a já mencionada “caixa de areia”.

O desmonte do piso da Cabana 4 permitiu recolher diversos materiais, nomeadamente olaria fragmentada e indústria lítica (elementos de foice, etc.), mas de que ressaltam toda uma série de elementos que corroboram inteiramente a nossa pro­posta de considerar o conjunto de estruturas da Cabana 4 como uma área de fundição (cf. Planta da Estampa II):

– Em torno à estrutura da caixa de areia, mas com forte concentração na sua periferia noroeste, recolhemos 70 novos presumíveis pingos de fun­dição que, juntamente com o recolhido em 2004, perfazem 71;

– Nos quadrados U1, T3, U4 e V4 foram recolhidos fragmentos de escó­ria;

– Em U2 foi recolhido um fragmento de molde em xisto;

– Em U3 foi recolhido um fragmento de cadinho;

– Em X1 foram recolhidos três fragmentos metálicos, presumivelmente de bronze.

Todos estes materiais se encontram para análise no Grupo de Arqueometa­lur­gia do Instituto Tecnológico e nuclear.

A caixa de areia, correspondendo ao quadrado V1, foi a última parte do piso da Cabana 4 a ser desmontada. A mesma foi consolidada pelo interior com paraloide e depois gaze após o que foi efectuado o respectivo molde interno em poliuretano expandido (fig. 4).


Fig. 4 – A caixa de areia uma vez o interior consolidado com paraloide e efectuado o respectivo molde interno em poliuretano expandido.

Fig. 5 – A caixa de areia após consolidação exterior com paraloide e colocação da moldura em madeira com o espaço entre ambas preenchido com poliuretano expan­dido.

Seguidamente foi a mesma estrutura desbastada exteriormente até ficar com uma espessura entre 3 e 5cm, processo em que surgiram os fragmentos metálicos atrás referidos, após o que foi a mesma consolidada por fora com paraloide e envol­vida por uma moldura de madeira sendo o espaço entre esta e o lado externo da estrutura preenchido com poliuretano expandido (fig. 5). Procedeu-se por fim à sela­gem da sua parte superior, com poliuretano expandido e uma tampa de tabopan, após o que se procedeu ao levantamento do conjunto que se pretende expor na Sala-Museu de Arqueologia após restauro.

A Cabana 6 (?) – Sob o piso da Cabana 4 [UE.2] e na periferia oeste da grande laje de afloramento de xisto que lhe serve, parcialmente, de suporte, quadra­dos T1-3, surgiu nova realidade materializada numa camada [UE.110] de terras cas­tanho-escuras amareladas [10YR3/4] que, na periferia norte da sondagem 2, já tinha sido detectada em 2004, o que significa que o piso da Cabana 4 já não existia nessa área e apenas os buracos de poste (aí reduzidos a escassos centímetros de profundi­dade) permitiam discernir a totalidade da respectiva planta.

Na UE.110 abrem-se três buracos de poste – UEs.180, 182 e 184 – facilmente reconhecidos pelos respectivos enchimentos – UEs.181, 183 e 185 – de cor castanho-escura [10YR3/3]. De momento ainda não é possível perceber a que estrutura perten­ceriam uma vez que a mesma se deverá prolongar para os quadrados S1-S3 ainda não intervencionados. Contudo designamo-la, provisoriamente como Cabana 6.

A Cabana 5 – Em 2004 e na área da Sondagem 2, Cabanas 1 e 3, tínhamos identificado sob a UE.1 e na parte subjacente ao extremo sul da Cabana 1 uma nova realidade materializada na UE.151 – terras argilosas castanho escuras (7.5YR3/2) – a qual sobrepunha uma superfície empedrada, a UE.152. Em 2005 procurámos, através do alargamento da área escavada, compreender esta estrutura.

Alargámos assim o desmonte da UE.1 para os quadrados M13 a M11, N11 a N10, O13 a O10 e P10 a P13. Em todos foi possível detectar a sucessão estratigráfica anteriormente reconhecida, isto é, sob a UE.1 surgia a UE.151 e sob esta o empe­drado da UE.152. Verifica-se deste modo que em vez de uma lareira, como supusé­ramos em 2004, estas duas unidades configuram um novo piso de uma grande cabana oval que designámos Cabana 5. O respectivo limite norte é balizado por um conjunto de 6 buracos de poste [UEs.158, 160,162, 164, 168 e 174], bem definidos a partir da interface entre a UE.1 e a UE.151 pelos respectivos enchimentos [UEs.159, 161,163, 165, 169 e 175], de cor mais escura, castanho-escuro [10YR4/3].

A matriz do empedrado da UE.152 é constituída por terras argilosas casta­nho-amarelado escuras [10YR3/4] que se prolongam sob este formando a UE.157.

O limite sul da Cabana 5 (fig. 6) poderá corresponder a um arco de 4 buracos de poste [UEs.170, 178, 186 e 188] e quatro outros buracos de poste foram ainda detectados no interior [UEs.155, 166, 172 e 190] todos identificáveis a partir dos res­pectivos enchimentos de cor mais escura, castanho-escuro [10YR4/3].

Fig. 6 – A Cabana 5 no final da Campanha 3 (2005). Além do respectivo empedrado de base são visíveis cheios a poliure­tano expandido de cor branca os respectivos buracos de poste. De cor amarelada são visíveis os moldes internos em poliuretano expandido que preenchem os buracos de poste da Cabana 1.

Embora não tenhamos ainda a totalidade da planta da Cabana 5 exposta, esta aparenta ser sub-circular com cerca de 4m de diâmetro, aproximando-se deste modo das dimensões da Cabana 4.

Da escavação da UE.151 e decapagem da UE.152, provêm diversos materiais que, além de olaria fragmentada, indústria lítica talhada e fauna, incluem também evidência de prática metalúrgica:

– De O11 vêm dois pingos de fundição [FCORV-A-C5-754 e 793];

– Em M13 identificámos uma pequena fossa [UE.176], preenchida com terras [UE.177] castanho-escuras [10YR4/3] e abundantes fragmentos de escória;

– Da periferia norte da fossa UE.176 provém outro pingo de fundição [FCORV-A-C5-710].

Face ao exposto uma das prioridades de estudo para a Campanha 4(2006) será, sem dúvida, expor a totalidade do piso da Cabana 5 e averiguar da existência ou não de evidência estrutural que, juntamente com os restos de actividade metalúrgica, permita considerá-la, à semelhança da Cabana 4, como uma área de fundição perten­cente a um momento estratigraficamente antecedente. Os materiais recuperados constam da listagem do Anexo II.

3.2. Os Abrigos

Após a limpeza superficial e remoção da terra de crivo e geotêxtil colocados no final da campanha de 2004, foi reimplantado o referen­cial base, tendo sido deli­mitados para intervenção cerca de 12m2 correspondentes aos quadrados F/J-6, F/I-7 e F-3/5, de modo a poder compreender a sequência de ocupação do abrigo (cf. Estampa IV). Relembre-se que os quadrados F/I-6 tinham sido já objecto de inter­venção na campanha anterior (cf. Relatório da Campanha de 2004).

Após estes passos, procedemos à confirmação da planta do Abrigo e à remo­ção de todas as terras soltas de superficie [UE.2000] nos quadrados não intervencio­nados na campanha anterior (fig. 2). Tal como foi referido no respectivo relatório (cf. Relatório da Campanha de 2004), a UE.2000 apresenta-se como uma camada de ter­ras soltas de cor castanho pálido (10YR 7/4, quando secas).

Fig. 7 – Pendente em xisto (FCORV-A2 195/05), visto das duas faces

Fig. 8 – Agulha em bronze (FCORV-A2 188/05).

Durante a decapagem da UE.2000 recuperou-se um conjunto de artefactos (Anexo II), dos quais destacamos um pendente em xisto (fig. 7) de F-4 [FCORV-A2 195/05], vários elementos osteológicos, à semelhança da campanha anterior, e, de F-5, dois artefactos possivelmente em bronze – uma agulha [FCORV-A2 188/05] (fig. 8) e uma pequena barrinha [FCORV-A2 208/05][7].

Sob a UE.2000 detectou-se, em toda a área intervencionada nesta campanha, uma camada de terras com uma consistência média e cor castanho-avermelhado quando húmidas [5YR 4/4], em tudo idêntica à UE.2001 identificada na campanha anterior. A decapagem desta unidade permitiu determinar ser de formação similar à UE.2000, visto que englobava para além de mate­riais arqueológicos, materiais modernos, resultado dos remeximentos recentes.

Durante a decapagem desta EU recuperou-se um conjunto de artefactos dos quais destacamos:

  • De J-6 um fragmento de bojo com decoração penteada [FCORV-A2 121/05];
  • Em G-7 um fragmento de bordo decorado com uma linha incisa estilo “Boquique” [FCORV-A2 137/05];
  • De F-7 recuperámos um fragmento de bojo com decoração pós-cozedura [FCORV-A2 148/05];

Sob a UE.2001 era possível discernir as seguintes realidades (Estampa V):

  • Nos quadrados F/I-7 foi possível detectar o topo de uma camada [UE.2044] de ter­ras compactas e duras, de coloração castanha escura (10YR 4/3) por isso idên­tica às UE.2002 e UE.2004 identificadas na campanha anterior, configurando-se assim, como a continuação do Piso a (fig. 9).

Fig.9 – Vista geral dos Quadrados G/I-7, NE-SW, após a decapagem das UE.2000 e 2001, sendo visível a interface superior do Piso a [UE.2044].

  • No topo Oeste de I-7 e em associação com a UE.2044, detectámos uma fossa [UE.2045], de forma elíptica, com um diâmetro de cerca de 38 cm, no seu eixo maior e uma profundidade média de 40 cm, sendo visíveis no seu interior, um conjunto de elementos pétreos em xisto [UE.2046], sendo o conjunto preenchido por terras [UE.2046] castanhas escuras (7,5YR 4/4). Todo este conjunto confi­gura-se-nos como a estrutura, em negativo, de um eventual poste de sustentação, na zona de entrada do Abrigo (fig. 10);

Fig.10 – Grande plano de I-7,N-S, com o Piso a e o buraco de poste UE.2045

  • No quadrante sul do qua­drado G-7 e quadrante oeste de H-7, não foi detectada a continuação da UE.2044. Aí detectá­mos uma outra camada de terras extrema­mente duras e compactas, a uma cota mais baixa – cerca de 20 cm – de coloração casta­nha amarelada escura (10YR 4/4), que jul­gamos se articulam com a da UE.2036 detectadas na campanha anterior, tendo por isso recebido a mesma designação;

Fig. 11 – Fíbula de dupla mola em bronze (FCORV-A2 181/05)

  • Ainda no topo Oeste de I-7 e encostado à parede do Abrigo, identificou-se uma fossa [UE.2049] resultado da acção de animais que escavaram essa zona. Das ter­ras que preenchiam a toca [UE.2050] parte delas resultado das escorrências dos estra­tos do Abrigo para essa zona, foi possível recupe­rar, vários artefactos dos quais destaca­mos uma fíbula de dupla mola em bronze [FCORV-A2 181/05] de H-7 (fig. 11) e uma Ponta de Projéctil em xisto de I-7 [FCORV-A2 151/05] (fig. 12);

Fig. 12 – Ponta de projéctil em xisto FCORV-A2 151/05.

  • Em J-6, foi detectada uma outra camada de terras compactas e duras [UE.2051] de coloração castanha (7,5YR 5/2) que pela sua posição e cota, parece-nos ser anterior à formação da UE.2003 detectada em I-6 na campanha anterior;
  • Separando a UE.2051 da UE.2003 identificou-se a continuação da fossa UE.2007, que pudemos verificar nesta campanha ser o resultado da acção de raízes (fig. 13). Da fossa foram recuperados alguns artefactos, dos quais destacamos uma argola metálica (fig. 14), de bronze [FCORV-A2 120/05] e um fragmento de bojo, com decoração pós-coze­dura, na sua face interna [FCORV-A2 253/05];

Fig.13- Vista geral de I/J-6, W-E, após a decapagem dos níveis superficiais

Fig.14 – Argola de bronze FCORV-A2 120/05

  • No quadrante oeste de J-6, desenvolvia-se uma camada de terras de coloração idêntica às da UE.2051, mas muito menos compactas e duras [UE.2052];
  • Em F-3/5 imediatamente sob a UE.2001, detectámos uma camada de terras de con­sistência média [UE.2060], castanhas amareladas claras (10YR 6/4), em cuja interface superior, eram visíveis os contornos de uma fossa pouco profunda [UE.2058].

Após o respectivo registo gráfico e fotográfico procedemos à decapagem da fossa UE.2058, em F-3/4, verificando-se, que esta não era mais do que uma fossa de remexi­mentos, assentando directamente sob a UE.2060 (Cf. Estampa VI).

Prosseguimos os nossos trabalhos pela remoção, na íntegra nos quadrados F/I-7 da UE.2044 e da UE.2060 nos quadrados F-3/5.

Da decapagem da UE.2044, ou seja, do Piso a, foi tam­bém possível recuperar um importante conjunto de mate­riais – maioritariamente composto por cerâmica de produ­ção manual, resultantes da compactação das terras que formaram o respectivo nível de ocupação, destes desta­camos os seguintes:

  • De H-7 e G-7 dois fragmentos de bordos de reci­pientes cerâmicos, decorados com ungulações [FCORV-A2 164/05 e 170/05 respectivamente];
  • Ainda de H-7, dois fragmentos – um bordo e um bojo (fig. 15) – com decoração incisa em forma de retícula [FCORV-A2 173/05 e 174/05 respectivamente];

Fig. 15 – Fragmento de bojo com decoração em retícula FCORV-A2 174/05.

  • Também em H-7, um elemento de foice denticulado em quartzo [FCORV-A2 210/05] (fig. 16) e de H-6 uma bigorna de talhe bipolar em grauvaque [FCORV-A2 217/05].

Fig. 16 – Elemento de foice denticulado sobre lasca, em quartzo (FCORV-A2 210/05).

Após a remoção da UE.2044 e UE.2060 (Cf. Estampa VII) eram visíveis as seguintes realidades:

  • Em F-3/5 imediatamente sob a UE.2060, que apresentava uma espessura média de 45 cm, detectámos uma camada de terras de consistên­cia dura [UE.2071], amarelo-alaranjadas (10YR 7/6). Durante a decapagem da UE.2060 recuperaram-se alguns artefactos, dos quais destacamos uma pequena barrinha em bronze [FCORV-A2 206/05]. A falta de qualquer tipo de estruturas parece indiciar ser a UE.2060, o resultado de escorrências de terras englobando alguns materiais, para fossa aberta em momentos posteriores ao abandono do abrigo como habitat;
  • Em I-7, imediatamente sob a UE.2060 e em clara descontinuidade, identificámos, uma camada de terras extremamente compactas [UE.2048] de coloração castanha-amarelada (10YR 5/4) que, se nos afigura como sendo a continuação da UE.2003 para sul. Na interface superior desta unidade, era ainda visível um buraco de poste [UE.2045], com os respectivos calços [UE.2047]. Encontrando-se directamente sob a UE.2044/Piso a foi possível determinar que o conjunto UE.2003/2048 constituem parte integrante da ocupação que baptizámos de Piso b, ao qual estaria associado uma estrutura de sustentação consubstanciada no buraco de poste estruturado [UE.2045] (fig.17);

Fig.17 – Quadrados F/H-6/7, E-W, com os vestígios conservados da 2ª fase de ocupação detectada – Piso b.

  • Nos quadrados F/H-7, em parte sob o Piso a [UE.2044] detectá­mos a interface superior da mesma camada de terras castanhas ama­reladas escuras (10YR 4/4) extre­mamente duras e compactadas, idênticas às da UE.2036 detecta­das na campanha anterior. Esta unidade encontrava-se relativa­mente bem conservada na quase totalidade da área escavada, sendo apenas interrompida no seu encosto à parede sul do abrigo, em F-7 por uma fossa de raízes [UE.2054] e, em H/I-7, a já men­cionada toca de animal [UE.2049]. Posteriormente verificou-se que a fossa de raiz e a toca de animal faziam parte da mesma realidade estratigráfica;
  • Em H-7, identificou-se o topo de uma estrutura pétrea composta por elementos de xisto de médias dimensões, que se configura como a continuação da estrutura UE.2024, também identifi­cada na campanha de 2004 (fig.18). Esta parece esta­belecer uma separação entre um ambiente interior e o exterior que se desenvolveria na plataforma frontal ao abrigo;

Fig.18 – Situação em H/I-7, N-S, com a decapagem da estrutura pétrea UE.2024 e o respectivo buraco de poste UE.2031.

  • Uma outra estrutura composta por elementos pétreos de médias dimensões [UE.2053] foi identificada entre os quadrados F/G-7.

Seguidamente, procedemos à desmontagem do Piso b nos quadrados G/I-7, G-6 e I-6 [UE.2003, 2035, 2036 e 2048] onde ele tinha sido preservado desde a campanha anterior, bem como da remoção da UE.2071, em F-3/5. A decapagem das unidades constituintes desta realidade permitiu apenas a recuperação de alguns poucos artefactos da UE.2003, UE.2014 e UE.2048 (Cf. Anexo II), de onde salientamos integrada na UE.2048, em I-7, um fragmento de base plana [FCORV-A2 249/05], de I-6 na UE.2014 (fossa de raízes) uma pequena barrinha em bronze [FCORV-A2 215/05] e da UE.2035 (que, relembre-se, era constituída por um derrube de “barro de revestimento” – fig. 19) para além de “barro de revestimento” um pequeno fragmento de osso [FCORV-A2 187/05].

Fig. 19 – Barro de Revestimento da UE.2035.

Após a decapagem do Piso b, eram patente as seguintes realidades (Cf. Estampa VIII):

  • No quadrante norte da nossa intervenção, em F-3/5 e sob a UE.2060, que apresen­tava uma espessura média de 80cm, detectámos uma camada de terras de consistência média [UE.2082], castanhas alaranjadas (10YR 7/6) que incluía bastantes elementos geológicos, como quartzos e xistos, encontrando-se bem cravados nesta matriz. Durante a decapagem da UE.2071 verificou-se ser a mesma arqueologicamente estéril, assim julgamos que esta unidade foi formada em momentos anteriores à ocupação detectada a sul deste sector (fig.20);

Fig.20 – Situação no final da campanha de 2005 nos Quadrados F-3/5, S-N

  • Em I-6, sob a UE.2003, que apresentava uma espessura média de 15cm, detectámos uma camada de terras duras [UE.2061] de coloração castanha escura (10YR 4/3), mas não compactas, que formava uma espécie de fossa, onde abundavam elementos de raízes, pelo que a consideramos como uma zona de remeximento, pela acção das mesmas;
  • Em I-7, encostando à estrutura pétrea UE.2024 e em clara descontinuidade com a unidade estratigráfica que se lhe sobreponha, identificamos uma outra camada de terras castanhas (10YR 4/3) mas extremamente duras e compactas [UE.2070] que pela estrutura e interface superior compacta, identificamos como sendo um outro piso de ocupação (Piso c neste caso). Este piso era cortado, em parte, no seu quadrante oeste, pelo negativo do buraco de poste UE.2045, proveniente do nível superior;
  • Em H-6/7 pusemos a descoberto a totalidade da estrutura UE.2024, onde em H-6 e, relembre-se, na campanha de 2004 tínhamos identificado um buraco de poste estruturado [UE.2031];
  • Desenvolvendo-se, também em clara descontinuidade, sob a UE.2035/2036 detectámos uma outra camada de terras castanhas (YR10 4/3) extremamente duras e compactas [UE.2062]. Pela sua relação estratigráfica e articulação com a estrutura pétrea, consideramo-la também como Piso c, por isso funcionalmente coeva da UE.2070;
  • Aparentemente sobrepondo-se à UE.2062 em G-6 [UE.2065] e G-7 [UE.2068] detectaram-se dois “montículos” de terras bastantes compactas, quase como cozidas pela acção de calor, de cor vermelho alaranjado escuro (7,5R 4/4). No caso da UE.2065 esta apresentava uma pequena fossa de raiz [UE.2063] no quadrante Este e a UE.2068, em G-7, dois buracos resultado da mesma raiz [UE.2078] junto à zona de encosto à parede sul do abrigo;

O passo seguinte consistiu na desmontagem dos dois “montículos” de terras muito compactas [UE.2065 e 2068] que, se sobrepunham à UE.2062 (Cf. Estampa IX).

Quanto à UE.2068 em G-7, esta apresentava uma potência máxima de 9cm e assentava directamente sobre uma camada de terras [UE.2069] exactamente idêntica à UE.2062, em cuja superfície se distinguiam as duas fossas elípticas [UE.2078] da raiz que a tinha atravessado. Da desmontagem desta unidade foi apenas recuperado um fragmento de percutor [FCORV-A2 247/05] (figs.21 e 22).

Fig.21 – Quadrado G-7, com o Piso c visível

Fig.22 – Situação em G-7, após a decapagem da UE.2068.

A UE.2065, em G-6, assentava em clara descontinuidade numa camada de terras também elas bas­tante duras e compactas [UE.2066], de cor alaranjada escura. Esta última uni­dade apresentava características simi­lares às detectadas na que se lhe sobrepunha. Na superfície da UE.2066 distinguiam-se os contornos do buraco da raiz UE.2063. Na decapagem da UE.2065, não foram recuperados quaisquer materiais arqueológicos.

Seguidamente, após o habitual registo gráfico e fotográfico, des­montou-se a UE.2066 que assentava sob a UE.2062 e um pequeno “lajeado” com elementos de médias dimensões em xisto [UE.2067] (Estampa X e fig.23).

Fig.23 – Sob a UE.2066 em G-6 detectou-se um eventual lajeado [UE.2067].

Tendo em conta as limitações de tempo, procedemos à desmonta­gem das UEs que compunham o Piso c, nomeadamente as UE.2062/2069 em G/H-7 e parte de G-6, da UE.2024 em H-6/7 e das UE.2070, em I-7 e UE.2051/2052 em J-6, bem como à decapagem em I/J-6 da UE.2061, de modo a compreender o alcance da destruição provocada pelas raízes neste sector (Estampa X).

Da decapagem destas UEs foi possível recuperar o seguinte conjunto de artefactos:

  • Da UE.2051 em J-6, recuperou-se um fragmento de dente de animal (fig. 24), possivelmente de suíno [FCORV-A2 207/05];

Fig. 24 – Possível dente de Sus Scrofa(?) FCORV-A2 207/05.

  • Em I-7, da UE.2070 recuperou-se um conjunto de artefactos em quartzito, nomeadamente um flanco de núcleo de lascas [FCORV-A2 264/05], uma lasca retocada [FCORV-A2 270/05] e um furador sobre lasca [FCORV-A2 272/05], para além de uma pequena concentração de carvões de pequenas dimensões [FCORV-A2 266/05] e um fragmento de bordo de cerâmica manual [FCORV-A2 267/05];
  • Durante a decapagem da UE.2069, em G-7 recuperou-se uma pequena lasca retocada em quartzo [FCORV-A2 246/05];
  • A escavação da UE.2061, permitiu identificar um conjunto de artefactos remobilizados nas terras das raízes, nomeadamente fragmentos de cerâmica manual, bem como algum barro de revestimento [FCORV-A2 255/05], para além de alguns fragmentos de ossos [FCORV-A2 218/05 e 241/05] e um aro de ferro [FCORV-A2 268/05], possivelmente de um instrumento agrícola moderno;
  • A desmontagem da estrutura UE.2024 permitiu a recuperação de um dormente de mó manua [FCORV-A2 271/05] que tinha sido integrada na criação da mesma. Esta estrutura pétrea integrava-se numa matriz de terras castanho avermelhado (10R 5/2) de consistência média [UE.2072] de onde provêm alguns artefactos nomeadamente fragmentos de cerâmica manual, dos quais destacamos um bordo [FCORV-A2 258/05] e um bojo decorado com linhas incisas estilo “Boquique” [FCORV-A2 254/05]

Após desmontadas as supra-referidas unidades estratigráficas deparámos com a seguinte situação (Cf. Estampa XI):

  • Na maioria da área dos quadrados I/J-6, a UE.2061, assentava sobre terras castanhas escuras (10YR 4/3), com alguma dureza, englobando bastantes elementos pétreos em xisto e raízes e formando uma fossa [UE.2076]. Pela sua localização e presença de raízes, originárias nas acácias que se encontram à entrada do abrigo, a norte do sector intervencionado, julgamos que a mesma é o resultado dos remeximentos provocados pelas mesmas, tendo por isso destruído qualquer vestígio arqueológico conservado;
  • A acção destas mesmas raízes, abrangeram ainda outros sectores, nomeadamente na junção da H-6 com a H-7, uma destas ramificações [UE.2081] terá afectado os níveis sob a estrutura UE.2024 no sector. Das terras que preenchiam essa fossa [UE.2080] recuperámos um pendente em bronze (fig. 25) decorado nas duas faces [FCORV-A2 252/05];

Fig. 25 – Pendente decorado (FCORV-A2 252/05) no seio da UE.2080.

  • No canto oeste de J-6, sob a UE.2052 localizámos uma camada de terras casta­nho amarela­das (10YR 5/4) compactas mas não muito bem conser­vadas, que inferi­mos consistir mais um piso de ocupa­ção (Piso d ?);
  • Na maioria do sector ocupado pelos quadrados G/I-7 sob o Piso c, detectámos uma outra camada de terras castanhas amareladas (10YR 5/4) também elas bas­tante compactas [UE.2073 em I-7 e UE.2074 em G/H-7] (Piso d?);
  • No entanto estas últimas unidades não se encontravam bem conservadas, tendo sido afectadas pela presença de diversas raízes, provocando fossas que as des­truíram em vários sectores: no canto oeste da I-7 e quadrante norte da H-7, a fossa UE.2076 e na maio­ria de G-7 a fossa de raí­zes UE.2078 (fig.26).

Fig.26 – Situação no final dos trabalhos dos quadrados I/J-6

Terminada a campanha de 2005, foram a totalidade das áreas escavadas quer no Sector A quer no Abrigo 2 cobertas com geo­têxtil ancorado com pedras e recoberto com terra de crivo.

4. Os materiais recolhidos e o respectivo enquadramento cronocultural

A ocupação da Primeira Idade do Bronze – O ambiente cultural documentado nas escava­ção das cinco cabanas estudadas caracte­riza-se por produções cerâmicas que, para além das formas correntes (fig. 27), apresen­tam recipientes com decorações de “tradição Campaniforme” impressas a pente (fig. 28) junta­mente com taças de “tipo Cogeces ou Protocogotas” que por vezes com­binam decora­ções pontilhadas geométricas e incisas ocasionalmente com preenchimento a pasta branca (fig.29).

A indústria lítica talhada, recuperada sobretudo nas Cabanas 4 e 5, incide sobretudo em quartzo e xisto anfibólico e engloba elementos de foice denticulados, pontas de projéctil, furadores e raspadores.

Fig.27 – Formas correntes de olaria da Cabana 1.

A fauna representada pelos restos osteológicos recuperados na Cabana 5 parece englobar ovica­prinos e suínos [8].

A associação de olaria decorada de tradição campani­forme, até à data identificada em todas as primeiras cinco cabanas escavadas, juntamente com for­mas e decorações típicas do “Mundo Cogeces” constitui um argumento poderoso para enquadrar este povoado num momento relativa­mente antigo da Primeira Idade do Bronze.

É hoje claro que o “fenó­meno Campaniforme” abrange, no âmbito peninsular, uma diacronia muito mais ampla do que se pode­ria pensar até há pouco tempo (Senna-Martinez, 2002.). Parece-nos seguro, nomeada­mente, que este se prolonga para o primeiro quartel do segundo milénio cal AC e, desta forma, é parte integrante da etapa inicial da Primeira Idade do Bronze em diversas áreas peninsulares, incluindo a totalidade das do Ocidente Peninsular.

Por outro lado, os dados existentes sobre as primeiras manifestações do “Mundo Cogeces ou Protocogotas” apontam para cerca de 1700 cal AC (Castro Martínez, Lull & Micó, 1996: 161-167; Abarquero Moras, 2005: 59-68), com possibilidades de recuo até aos 1800 cal AC, sobretudo se tivermos em conta os dados de Castelo Velho de Freixo de Numão (Botelho, 1997) e do Fumo (Carvalho, 2004), na bacia do Côa, para nós particularmente interessantes porque vizinhos da nossa área de estudo.

Deste modo e enquanto aguardamos por resultados de análise radiocarbónica de algumas amostras, parece-nos poder propor um momento final do primeiro quartel do segundo milénio cal AC como proposta cronológica para estes ambientes culturais da Fraga dos Corvos.

Fig.28 – Fragmento de olaria com decoração pontilhada geométrica de “Tipo Campaniforme”, ainda com vestígios do preenchimento a pasta branca, da Cabana 5 (FCORV-823). Fig.29 – Fragmento de taça de “tipo Cogeces” com decoração pontilhada, impressa a punção e incisa, ainda com vestígios do preenchimento a pasta branca, da Cabana 5 (FCORV 854).

Assim, uma vez que a evidência contextual disponí­vel nos permite considerar a Cabana 4 como uma área de fundição, se forem confirma­dos os resultados analíticos obtidos para o primeiro pingo de fundição descoberto em 2004 bem como a nossa proposta de cronologia, estaremos em presença da mais antiga área de trabalho de bronze conhecida no território português e, eventualmente, penin­sular.

O que esta nos documenta, pela própria modéstia dos dados disponíveis, é uma produção que pode interpretar-se como de tipo doméstico e em pequena escala.

As alabardas atlânticas, incluindo as de tipo Carrapatas, costumam colocar-se num âmbito cronológico de fins do terceiro milénio cal AC inícios do segundo. Corres­pondendo a ambientes culturais com olaria Campaniforme tardia, pontas Palmela, punhais de lingueta e primeiros adornos áureos. Para estes elementos metálicos, nomea­damente para as alabardas (Senna-Martinez, 1994a) e com exclusão dos de ouro, são uti­lizados cobres arsenicais (Delibes de Castro, Fernández Manzano, Herrán, & Rovira Llorens, 2002).

As primeiras ligas de bronze binário surgem no Norte de Portugal e Galiza com os machados de tipo “Bujões/Barcelos” para os quais não se conhecem contextos segu­ros mas que, pela sua semelhança com os tipos argáricos e outros, se colocam normal­mente como posteriores a 1700 cal AC.

O que o contexto da Cabana 4 da Fraga dos Corvos nos revela é que, numa etapa cultural que parece inserir-se num âmbito cronológico compatível com os machados de tipo “Bujões/Barcelos”, já existiria produção regional dos primeiros bronzes binários de forma compatível com o modelo de introdução proposto para a Península Ibérica por Fernández-Miranda, Montero Ruiz e Rovira Llorens (1995).

A nossa principal interrogação, neste momento, consiste em saber se este conjunto de dados nos permite pensar que a introdução da metalurgia do bronze, substituindo a dos cobres com arsénico, talvez acompanhe a substituição das alabardas de tipo Carrapatas pelos machados de tipo “Bujões/Barcelos” como símbolos de poder, situação que teria paralelos com o verificado na área argárica (Castro Martínez, et alii. 1993/1994).

Esperamos, desta forma, que a continuidade de estudo deste arqueosítio nos permita enquadrar o mundo dos depósitos da Primeira Idade do Bronze em Trás-os-Montes Oriental já não só como achados avulsos de conjuntos metálicos mas também como parte de um todo social caracterizado multidimencionalmente.

O Conjunto de bronzes em contextos secundários do Abrigo 2 – Todo um outro tipo de questões é levantado pelo conjunto de objectos metálicos recolhidos, em contextos secundários, no Abrigo 2, na campanha de 2005.

Fig.30 – Decoração do Pendeloque FCORV-A2 252/05.

O conjunto compreende: uma fíbula de dupla mola (FCORV-A2-181); um pendente (fig.30) com decoração pontilhada a punção nas duas faces (FCORV-A2-252); uma agulha (FCORV-A2-188); uma argola (FCORV-A2-120) e três fragmentos de barrinhas (FCORV-A2-206, 208 e 215). Estes exemplares, juntamente com um fragmento supostamente de “escória” (FCORV-A2 068) e um “pingo de fundição” (FCORV-A2 025), recolhidos em situação contextual equivalente em 2004, foram caracterizados quanto à sua composição elementar. As análises não destrutivas foram efectuadas por Espectrometria de Fluorescência de Raios X (EDXRF) no Instituto Tecnológico e Nuclear (Sacavém, Portugal).

A “escória” e o “pingo de fundição” não apresentam teores preeminentes em elementos significativos da metalurgia pré-histórica. Apenas apresentam ferro (Fe) como elemento principal e outros elementos menores característicos das terras (Ca, Ti, Mn, Cu, Zn,), o que se deverá à sua natureza pétrea/sedimentar. Poder-se-á então refutar uma proveniência metalúrgica dos dois achados. Estes deverão ser interpretados como material de natureza cerâmica ou pétrea que sofreu vitrificação devido à sua exposição a elevadas temperaturas.

As análises elementares efectuadas aos artefactos metálicos demonstram que todos eles são de bronze (liga de cobre e estanho) contendo também algum chumbo. Esta composição é perfeitamente consentânea com a sua atribuição a uma etapa tardia do Bronze Final do Noroeste Peninsular em que adição de chumbo, como forma de baixar o ponto de fusão da liga, se torna frequente.

O cariz mediterrânico (orientalizante) da fíbula de dupla mola, da agulha (com abundantes paralelos em sítios peninsulares meridionais) e mesmo do pendente, uma vez que a decoração tem paralelos nos grafitos sobre recipientes de cerâmica cinzenta de Medellin datados do séc. VII (M. Almagro-Gorbea, 2004), confere alguma homogeneidade aparente ao que, de outra forma seriam tão só peças de contexto inseguro. O seu estudo detalhado será alvo de artigo a publicar brevemente na Revista Portuguesa de Arqueologia.

Os materiais recolhidos encontram-se depositados provisoriamente no Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, prevendo-se a sua integração após estudo, na Sala de Arqueologia do Museu Municipal de Macedo de Cavaleiros, instalado no Complexo do Parque Natureza do Azibo.

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[1] Professor Associado do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Instituto «Alexandre Herculano» de Estudos Regionais e do Municipalismo e Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Cidade Universitária, Campo Grande, 1600-214 LISBOA. smartinez@iol.pt

[2] Mestre em Pré-História e Arqueologia pela F.L.U.L., Investigador do PEABMAM – Paisagens e Investigador Exterior do Instituto «Alexandre Herculano» de Estudos Regionais e do Municipalismo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. jmqtventura@yahoo.com

[3] Licenciado em História, Variante de Arqueologia pela F.L.U.L., Mestrando em Arqueologia, F.L.U.L., Investigador do Projecto Terras Quentes. helder@lfx4.ist.utl.pt

[4] Agradecemos à Senhora Profª Doutora Fátima Araújo e ao Mestre Pedro Valério esta informação.

[5] Agradecemos ao Dr. Manuel Cardoso a respectiva análise preliminar.

[6] Participaram deste campanha e além dos signatários um conjunto de alunos universitários, portugueses e espanhóis, que se listam no AnexoI.

[7] Todos os artefactos metálicos recuperados na presente campanha, encontram-se já em análise não-destrutiva no Instituto de Tecnologia Nuclear.

[8] Agradecemos ao Dr. Manuel Cardoso a determinação preliminar deste restos de fauna.