Forno de Tipologia Romana

Código do Projecto SALFOR
Freguesia de Salselas, Concelho de Macedo de Cavaleiros
Campanha 1/2003 – CNS 13218 – Relatório de Progresso (Reprodução parcial)

Carlos Alberto Santos Mendes [1]

1 – INTRODUÇÃO

Na sequência da aprovação do projecto Terras Quentes pelo Instituto Português de Arqueologia e, em consonância com o programado, processou-se entre os dias 11 e 15 de Agosto de 2003, a primeira campanha de escavação/prospecção neste arqueosítio.

A acção decorreu no âmbito do protocolo e anexo, celebrado entre a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, o Instituto Alexandre Herculano da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a Associação de Defesa do Património Arqueológico do Concelho de Macedo de Cavaleiros “Terras Quentes”, a Associação dos Amigos do Museu Rural de Salselas e as Juntas de Freguesia de Ferreira, Cortiços, Edroso, Salselas, Vale da Porca, Lamas e Amendoeira, a quem agradecemos. Participaram nos trabalhos diversos alunos da licenciatura em Arqueologia e História da Flul e da escola secundária de Macedo de Cavaleiros, assim como associados da Associação Terras Quentes e trabalhadores não especializados de arregimentação local.

2- LOCALIZAÇÃO

O forno de tipologia Romana, situa-se no lugar dos Barreiros, inscrito na matriz cadastral rústica com o n.º 1559 da freguesia de Salselas e pertence à Sr.ª D. Maria Joana Pires. A cerca de 500m na saída Norte de Salselas para Valdrez pelo caminho público de terra batida e sobranceiro à ribeira de Salselas. As suas coordenadas UTM são 4602703 N e 29655855 W, correspondendo a uma Longitude W (Greenwich) 6º51´25´´ e a uma Latitude N de 41º33´57´´ na folha 64 da Carta Militar de Portugal escala 1:25.000, estando a um altitude de 597 m.

O forno de tipologia romano foi descoberto em 1998 quando se procedia a trabalhos agrícolas. Imediatamente, o Sr. Dr. António Cravo responsável pelo Museu Rural de Salselas e alguns elementos da Junta de Freguesia de Salselas, pediram a intervenção dos serviços do IPA da Extensão de Macedo de Cavaleiros que se deslocaram ao local e tendo em vista a sua preservação mandaram entulhá-lo, constando da base de dados deste Instituto, com o CNS 13218, com uma descrição sumária visto ter sido só analisado parcialmente. Para além desta informação não encontrámos qualquer referência bibliográfica objectiva sobre a existência deste forno.

3. TRABALHOS

3.1 METODOLOGIA

A intervenção arqueológica realizada entre 11 e 15 de Agosto de 2003 teve como objectivo escavar a totalidade do forno e zonas envolventes assim como proceder-se a uma prospecção aturada (4.000 m2) a todo o olival em que se insere este arqueosítio.

Foi adoptado nesta intervenção arqueológica um método de registo de acordo com os preceitos definidos por Edward C. Harris [Harris, 1991]. Como tal, escavou-se de forma a proporcionar esse mesmo registo, ou seja, por unidades estratigráficas (UE), a unidade básica de registo. São consideradas UEs as realidades que, aquando da escavação, ou posteriormente, forem consideradas como realidades diferenciáveis. Entre estas contam-se depósitos (camadas naturais, de sedimento), estruturas (negativas ou positivas), derrubes e interfaces.

Apesar de inicialmente se ter privilegiado o registo gráfico de cada realidade de modo diferenciado, durante a intervenção, por questões de rentabilização de tempo ou, por vezes, para facilitar a melhor percepção da realidade, efectuaram-se desenhos compostos.

Todas as realidades diferenciadas, as UEs, foram alvo de um registo fotográfico que acompanhou as diversas fases da sua afectação pelas intervenções arqueológicas.

Tendo sido aberta em malha de um metro de lado uma quadrícula com 16 metros quadrado (atendendo ao pouco tempo disponível para intervencionar este arqueosítio), não foi possível abrir área de escavação que proporcionasse encontrar informação na zona frontal do forno que nos pudesse dar mais quantidade e qualidade de materiais ou outra, passíveis de sustentar alguma proposta segura para a sua cronologia. Trabalho que se pensa retomar, aquando o processo de preservação e valorização do sítio. Neste sentido foi construída de imediato pelos serviços da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, com a supervisão do autor, uma cobertura sólida e temporária que permitisse resguardar o arqueosítio da intempérie.

Foi solicitado ao Museu Monográfico de Conímbriga a presença de um técnico de conservação e restauro (Dr. Pedro Sales), que procedeu, com a aplicação de “Tegovakon”, à consolidação da estrutura.

Quadro de medições:

Designação Medidas em metros
Medidas máximas exteriores Largura; 2,14
Comprimento; 2,91
Leito de cozedura Largura; 1,68
Espessura média; 0,06
Espessura do leito com ilharga de assentamento; 0,15
  Comprimento útil; 1,52
Comprimento máximo; 1,84
Abas laterais Costas; 1,68 x 0,23 (médio)
Lado direito 1,55 x 0,23
Lado Esquerdo; 1,56 x 023
Caixa do arranque da possível abóbada Anteriores; 0,24 x 0,22
Posteriores; 0,15 x ,030
Boca da fornalha Largura máxima; 0,85
Largura mínima; 0,32
Altura máxima; 0,86
Buracos da grelha Diâmetro médio: 0,06
Fornalha Altura máxima; 0,80
Altura mínima; 0,72
Zimbro (traseiro)
Zimbro (do meio)
Zimbro (frente)
Largura média; 0,35
Largura média; 0,38
Largura média; 0,28

4- INTERPRETAÇÃO PRELIMINAR

Tivemos a oportunidade de ouvir, na primeira pessoa a forma como foi descoberto ao que hoje podemos chamar forno cerâmico de tipologia Romana.

“ Um dia de Março de 1998, Manuel António Pereira, natural de Paradinha Nova – Bragança e empregado rural dum Salselense, andava a decruar na terra da D. Maria Joana Tiago, com um tractor e reparou que este abrira um buraco estranho, não muito grande, não tendo feito muito caso disso.

No verão desse mesmo ano, Eduardo Tiago Sarmento, fugia atrás de uma raposa com o irmão António Tiago Sarmento, na direcção do tal buraco, sem dele terem conhecimento. Já na propriedade da D. Maria Joana Tiago deixaram de ver a raposa, mas descobriram o buraco e imaginaram que ela ter-se-ia escondido dentro. Meteram lá um pau que traziam consigo e o vazio engoliu-o quase todo, na direcção horizontal e disseram um para o outro “ aqui há qualquer coisa”.

Depois a notícia foi-se propagando e nesse mesmo verão, dois familiares da proprietária, puseram o buraco à luz do dia, cavando naquela zona, até que descobriram qualquer coisa estranha, em vez do “tesouro” que procuravam.

Soubemos da notícia, viemos visitar aquelas “escavações” e aconselhados por alguns arqueólogos do IPA (Macedo de Cavaleiros) [www.min-cultura.ipa.pt (base de dados)], cobriu-se de novo com terra, indicando que este lugar deveria ser respeitado o que foi feito, por todos os Salselenses. Quem, nos contou a história, foi para além de Eduardo Tiago Sarmento, um dos protagonistas da descoberta, o Sr. Dr. António Cravo, Vogal da Direcção da Associação Terras Quentes e director do museu rural de Salselas, corroborado pelo actual Presidente da Junta de Freguesia de Salselas Sr. Dinis Tiago Sarmento, terceiro irmão dos protagonistas”.

A intervenção neste arqueosítio teve como objectivo escavar a totalidade do forno, bem como toda a área envolvente mormente a parte frontal do forno , onde se pode supor existir algum depósito de detritos, o que se irá verificar em próxima campanha.
Foi efectuada prospecção em cerca de 4.000 m2 (todo o olival) onde se encontrou alguma cerâmica doméstica e de construção que se encontra em fase de estudo.
A estrutura escavada encontra-se situada num suave declive de terreno sobranceira à ribeira de Salselas. Forno de planta rectangular (2,91m x 2,14m), com dois níveis estruturais bem conservados

O forno é composto por dois níveis:

a) Área de aquecimento (nível inferior) constituída por (praefurnium)boca do forno, que dá acesso à câmara de combustão. A câmara de combustão está dividida transversalmente por três grossos muretes com aro central contrafortando-se na estrutura lateral e dando suporte ao leito do forno, sendo esta a sua principal função, assim como proceder a uma melhor distribuição do fogo. O interior do forno aparece revestido com uma pequena capa de barro argiloso de um ou dois cms

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b) Câmara de cozedura (nível superior) constituída pela grelha (leito com 15 orifícios dispostos de forma simétrica) e provável abóbada, assim leva a supor a ligeira inclinação encontrada nos arranques. O forno encontra-se encastrado em caixa trilateral escavada na rocha (xisto) e é totalmente construído em blocos de argila (tijolos) feitos à mão e secos ao sol.

Não foram encontrados vestígios antracológicos na base da câmara de combustão nem em áreas adjacentes, o que, atendendo ao excelente estado de conservação do forno sem nenhum indício de utilização, levará a pensar que esta ausência se possa dever a fenómenos de lixiviação do solo. A proximidade do inverno e a fragilidade da estrutura levou de imediato a que se procedesse à construção de uma cobertura, trabalho realizado pelo sector de obras e urbanismo da Câmara Municipal de Macedo e Cavaleiros, a qual passados 4 meses se tem mostrado eficaz na sua salvaguarda.

Procedeu-se, conjuntamente com um técnico do Museu Monográfico de Conímbriga (Dr. Pedro Sales) a trabalhos de conservação das estruturas, com a aplicação de um produto consolidante “ Tegovakon” aplicado até à saturação da impregnação.

Análogos:

Trata-se de um forno com metodologia construtiva semelhante ao forno cerâmico romano de Louredo (Santa Marta de Penaguião), descoberto nos anos 50 do século XX por Manuel Tuna. Escavado em Setembro de 1980 por Armando Coelho da Silva, António Baptista Lopes e Manuel Tuna. Os materiais exumados no forno do Lourdelo, são semelhantes aos encontrados no forno de Salselas, com a excepção de tégula.

Este género de fornos, em que a fogueira está longe das cerâmicas que eram colocadas sobre a grelha sofrendo influência indirecta do fogo, permitindo uma regular repartição térmica, revela um elevado progresso no contexto técnico da cozedura cerâmica [Silva et alli, 1982:151]. Conhecida já esta técnica em Sialk e Susa desde o IV milénio, no Calcolítico, apenas se registou o seu aparecimento na Gália a partir da época de La Tène, tornando-se o tipo de forno mais vulgar da época galo-romana, com apogeu entre o último quartel do século I e meados do séc II d.C. [Silva et alli 1982:152] . Estes autores atendem, contudo, ao teor geral do espólio recolhido para situar o forno do Louredo na época baixa do Império Romano.

Outro análogo conveniente encontramos no forno de cerâmica da estação romana da barragem da Marateca, onde mais uma vez o topónimo denuncia a sua existência “ Barreira da Igreja”, (sendo o topónimo do forno de Salselas “ Barreiros” e do forno do Lordelo “Barreiro; Fornelos”) topónimos denunciadores das características argilosas dos solos. De dimensões semelhantes (para maior), também talhado e encaixado num soco granítico ( no caso do forno de Salselas a rocha base é xistosa) de base rectangular.

Juan Tovar dá-nos conta da existência de um outro forno análogo ao forno de Salselas situado em Herrera de Pisuerga, num local próximo do acampamento da Legião IV Macedónia, [Tovar:1989:16] que fabricaria a sua própria cerâmica de terra sigillata. As dimensões do forno e o seu método construtivo são no todo semelhantes.

Parte-se do princípio [Alarcão 188:137] que os fornos de cerâmica de construção identificados em Portugal de formato rectangular serviam para o fabrico de telharia e tijolos e não para o de cerâmica doméstica, considera todavia o autor não ser inteiramente segura a dedução. Pensamos que o forno de Salselas não teria condições de cozedura para grandes peças, (por exemplo tégula) devido ao pouco débito térmico directo que emergia da sua grelha, mesmo que o seu sistema de concentração de calor não fosse em abóbada mas a céu aberto.

Por outro lado, o estado actual dos conhecimentos do povoamento romano no actual nordeste Português e mais em concreto na região de Macedo de Cavaleiros, não nos permite avançar com qualquer proposta sobre as razões da existência “per si” do forno de Salselas, isto é sobre a interacção geográfica/económica da sua existência. No que respeita a condições de funcionamento seriam óptimas, já que num raio de 500 metros estaria acessível e em quantidade, a matéria-prima (argila), água (ribeira de Salselas) e combustível.

Parece difícil imaginar uma oficina/forno dedicado a comerciar a sua produção em mercados que estivessem excessivamente longe de uma via de comunicação, linha de investigação seguida por Juan Tovar, fazendo a análise à inventariação aos grandes, médios e pequenos centros de produção cerâmica do sul da Gália, todos eles ocupando posições privilegiadas na rede viária [Tovar;1990:205]. Por outro lado interessa reter que a legislação Romana obrigava os fornos cerâmicos a serem construídos fora do perímetro urbano [Alarcão e Étienne;1977:23]

No actual estado de conhecimento sobre o forno cerâmico de Salselas muitas interrogações ficam por responder: Qual a sua cronologia? Qual a sua interacção geográfica e económica? Estaremos perante uma unidade produtiva de interesse micro económico ou macro económico? Qual o seu contexto? Qual o seu objectivo de produção? Porquê o seu óptimo estado de conservação? Provavelmente algumas destas interrogações poderão obter resposta em futuras intervenções.

Esta intervenção arqueológica, foi fiscalizada pelos Serviços do Instituto Português de Arqueologia, extensão de Macedo de Cavaleiros, no dia 14 de Agosto, pelo Dr. Mário Reis, que não nos deu conta da existência de qualquer anomalia técnica ou de procedimentos.

LISTA DE PARTICIPANTES

Carlos Alberto Santos Mendes Lic em História Variante de Arqueologia pela FLUL
Marcelo Flores Lic em História Variante de Arqueologia pela FLUL
Manuel de Sousa Cardoso Lic em Medicina Veterinária pela U.L. ATQ
António Cravo Lic em Sociologia ATQ
Nídia Santos 4º ano da Lic em Arqueologia e História da FLUL
Maria Eugénia Feliz 3º ano da Lic em Arqueologia e História da FLUL
Maria Belmira Mendes ATQ
Manuel Portocarrero Cardoso 10º ano da Esc. Sec. de Macedo de Cavaleiros
Vicente Portocarrero Cardoso 11º ano da Esc. Sec. de Macedo de Cavaleiros
Carlos Pinto Trabalhador não espec. de arregimentação local
Bruno Miguel Neiva Trabalhador não espec. de arregimentação local
Pedro Tiago Sarmento Trabalhador não espec. de arregimentação local

6 – Bibliografia

Alarcão, Jorge de
O Domínio Romano em Portugal, 3ª edição, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1988

Alarcão, J. E Ètiene, R.
Lárchitecture, Fouiles de Conimbriga I, Paris, 1977.

Carvalho, Rogério
O forno cerâmico da Estação Romana da Barragem da Marateca – Castelo Branco, Actas das IV jornadas Arqueológicas ( Lisboa 1990) Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa 1991, pp343 a 351.

Juan Tovar, Luis Carlos
El Alfar Romano de la Maja (Calahorra-La Rioja), Revista de Arqueologia, 105, Janeiro de 1990, Madrid p.61

Juan Tovar, Luís Carlos e Medel Bermudez, Alejandro
O estudo das Industrias cerâmicas de época romana na Hispania, Al-Madan, série II, nº 2, Almada, 1993, pp. 5-12

Juan Tovar, Luis Carlos e Medel Bermúdez, Alejandro
El Forn Ibèric de Fontscaldes, Primer Objectivu del “Programa Officina” a Catalunya, Tomo I – XXXV Assemblea Inercomarcal d’Estudiosos, Institut d’Estudis Vallencs, Valls i Vila-Rodona 24,25 i 26 Novembre 1989, Tarragona, 1989 pp 115 a 122

Juan Tovar, Luis Carlos
Los Talleres Cerámicos de Época Romana en la Provincia de Tarragona: Estado de la cuestíon – Acta Arqueològica de Tarragona tomo II (1988-89), Reial Societat Arqueològica Tarraconense, Tarragona 1989, pp13 a 17.

Juan Tovra, Luis Carlos
Alfares y vias de comunicacion en la Hispania Romana, acercamento a una relacion – Separata de las actas de simposio sobre La red viaria en la Hispania Romana, Institucíon Fernando el Católico (C.S.I.C.) Diputacion de Zaragoza, 1990, pp. 293 a 298.

Silva, Armando Coelho F. Da, Lopes, António Baptista e Tuna Manuel
O forno cerâmico Romano de Louredo (Santa Marta de Penaguião) – Portugália Nova série – volume II/III, Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto 1981/1982 Porto, 1982, pp. 149 a 154.

Internet
www.min-cultura.ipa.pt

Base de dados, designação Salselas, forno CNS 13218

ELEMENTOS GRÁFICOS

Fotos

(vista frontal do forno – boca da fornalha)


(interior do forno – 3 zimbros e piso térreo da fornalha)


(tecto do forno, avistando-se um dos buracos de saída da chama)


(Fase de escavação)


(vista NW/SE)


(vista SO/NE)


(cobertura provisória do forno)


(aspecto dos trabalhos de consolidação – Dr. Pedro Sales MMC)


[1] Licenciado em História Variante de Arqueologia pela F.L.U.L. e responsável pelo projecto Terras Quentes